De médicos a programadores. A radical mudança de vida de Gonçalo e Mário

Gonçalo Pinto e Mário Pereira foram médicos durante cinco anos e decidiram trocar o estetoscópio pelo computador, apesar dos receios e desconfiança das famílias. O risco compensou e já têm emprego na área tecnológica.
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Gonçalo Pinto e Mário Pereira conheceram-se por acaso quando decidiram tirar um curso de programação nas instalações de Lisboa Le Wagon, uma escola de código internacional conhecida pelos seus bootcamps de programação. Em comum tinham o desejo de aprender estas novas ferramentas e o facto de terem deixado para trás a carreira de médico.

"Fui médico durante cinco anos e hoje, olhando para trás, posso dizer que não me sentia feliz nem concretizado. No ano passado, decidi que não queria esse estilo de vida e fui procurar algo que me motivasse mais. Sempre me senti apaixonado por computadores no geral, mas nunca tinha tido contacto com programação, apesar de ter sido sempre uma área que me despertou curiosidade", conta ao DN Gonçalo Pinto, de 30 anos, acrescentando que foi para Medicina influenciado pelos pais, mas que logo na faculdade começou a ter dúvidas sobre o seu destino.

Os pais e a família também pesaram na decisão de Mário Pereira, de 31 anos, em seguir o curso de Medicina. "Fui médico durante cinco anos, até ter um burnout que me levou a deixar a medicina de vez. Trabalhava muitas horas - cerca de 60 a 100 horas por semana com vários turnos semanais de 24 horas de urgência - e a longo prazo isso tornou-se insuportável", recorda. "Depois deste período bastante negro, acabei por decidir que precisava de mais qualidade de vida e comecei a procurar uma área que me entusiasmasse mais. Um dia, a navegar na internet, apareceu-me um anúncio de um curso de programação de uma plataforma de ensino digital. Inscrevi-me e rapidamente me apercebi que esta área me dava imenso prazer".

Gonçalo chegou a estar um ano em Medicina Interna, tendo feito também urgências, domicílios, exames médico-desportivos e até trabalhado num lar, mas, diz, "chegou a um ponto em que pensei: se vou estar a dedicar tempo e energia tem de ser em algo por que tenha paixão. Depois disso, passei um ano sem trabalhar e foi aí que decidi tomar uma decisão pelo meu futuro".

"Trabalhei durante cinco anos no Hospital de Évora, onde me estava a especializar em cirurgia geral. Acredito que esta área de especialidade já demonstrava um pouco a origem das minhas indecisões: sempre precisei de pôr as mãos na massa e de coisas que me trouxessem ação e adrenalina. O facto de estar num gabinete de consulta nunca me motivou e isso, mais tarde, veio a confirmar-se, visto que neste momento em Portugal o bloco operatório corresponde talvez a um décimo do trabalho de um cirurgião", refere, por seu turno, Mário.

A certeza de que a carreira de médico não trazia realização profissional não foi sinónimo de um salto no desconhecido sem ponderação, principalmente no caso de Mário. "Sempre tive muito medo, muitas dúvidas. Ao fim e ao cabo estava numa profissão estável e que poderia continuar estável a vida toda. Tinha comprado recentemente uma casa, por isso foi uma decisão difícil que envolveu muitas variáveis", diz. Já Gonçalo refere que não se sentiu inseguro "porque sabia que tinha de sair daquela situação e tomar uma decisão que passasse por dedicar a vida a uma coisa que me realizasse". "Foi uma decisão extremamente difícil, diria mesmo que a mais importante que tomei até hoje. Contudo, sempre estive muito seguro de que a tinha de fazer", acrescenta.

A primeira reação das famílias de ambos ao desejo de mudança de carreira não foi das melhores ou das mais fáceis - "para os meus pais foi um grande choque", lembra Gonçalo -, mas, perante a felicidade e realização de ambos, os receios e dúvidas transformaram-se em apoio total.

Os dois conheceram-se no curso de Web Development da Le Wagon e ficaram surpreendidos com a coincidência. "Fiquei impressionado com o percurso do Mário, porque tomar uma decisão destas durante o internato ainda é uma decisão com mais impacto", atira Gonçalo. "As nossas histórias são tão parecidas, que foi bastante engraçado. Identifiquei-me bastante com o Gonçalo e gosto bastante dele", responde Mário.

Hoje, os dois olham para trás e para a sua mudança de carreira e a primeira expressão que sai da boca de ambos é "não estou arrependido". Gonçalo está a trabalhar na startup portuguesa Kitch, desde janeiro, e descreve o seu novo emprego como uma "aventura fantástica". "Posso dizer que estou feliz pela maneira como as coisas correram e pelas minhas decisões", acrescenta.

Já Mário, cerca de duas semanas depois de ter terminado o curso intensivo de programador, foi convidado para uma entrevista na PricewaterhouseCoopers e acabou contratado. "Estou felicíssimo. São muito flexíveis, há muita liberdade em relação à gestão do nosso trabalho. Consigo investir noutras áreas, tenho tempo para continuar a aprender e aperfeiçoar temáticas na área da programação, uma realidade totalmente oposta daquela que vivi enquanto médico".

Os dois não veem o seu futuro noutra área que não a da programação, mas enquanto Mário diz que "regressar à carreira de médico está fora de questão", Gonçalo acredita que nunca vai deixar deixar de ser médico. "Toda a gente fala sobre saúde e acho que continuarei sempre a ajudar pessoas próximas. Isso deixa-me muito realizado e é uma mais-valia. O meu percurso vai sempre acompanhar-me: cresci imenso como pessoa e o curso de Medicina fez-me ganhar e consolidar valores que levarei comigo para a vida".

Para quem não se sente satisfeito na sua carreira, mas tem medo de mudar, deixam alguns conselhos. "Arriscar, porque vale a pena procurar a felicidade", diz Gonçalo. "Estruturar as coisas e nunca dar um passo maior do que a perna. Experimentar, durante algum tempo, se é realmente o que queremos fazer", aponta Mário.

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