De Kharkiv a Przemysl, cinco dias que pareceram cinco anos
"Free! Free!". Dmytro anda com um tabuleiro cheio de bolos para quem quiser servir-se pelo centro do edifício da estação de comboios de Przemysl, transformado numa pequena Babel e num ponto de acolhimento. No seu inglês arranhado o jovem explica que pagou do próprio bolso a pastelaria. Ucraniano, vive há sete anos na Polónia e esta é a sua forma de contribuir para minorar o sofrimento de quem ali chega vindo do seu país.
Cada qual dá o que pode. Turista em Varsóvia quando Vladimir Putin decidiu pela guerra, o norte-americano Sebastian está a oferecer alojamento em quartos de hotel na capital. "Varsóvia. Hotel à borla", lê-se num letreiro improvisado. Tem de consultar o smartphone para responder com precisão a quantas pessoas pode acudir. "Vinte e cinco", consulta na folha de cálculo este jovem da Carolina do Sul que descreve o momento de "terrível".
Há também polacos, alguns vindos de outras cidades, como Katowice, a partilhar casa aos ucranianos necessitados. No exterior do edifício há roupa de inverno, cobertores e água em abundância. É só escolher.
Vestido com um colete com as indicações de que falava inglês e francês, um professor universitário não tem mãos a medir. Diz que trouxe 15 alunos consigo e que, no total, devem ser uns cem voluntários. "Ainda assim precisamos de mais, especialmente para tradução", diz, entre pedidos de ajuda. Naquele espaço o choro não está reservado às crianças, nem aos foragidos. Uma funcionária da empresa ferroviária tenta esconder as lágrimas. Há centenas, milhares de pessoas com histórias no fio da navalha e as emoções dispensam tradutores.
Segundo dados oficiais transmitidos à comunicação social, há 25 mil deslocados numa cidade com 60 mil habitantes. Foi montado outro centro de acolhimento e as escolas e jardins de infância também servem para pernoitar, mas é uma situação limite porque já põe em causa o regular funcionamento letivo. Para tentar aliviar uma cidade sem infraestruturas para esta dimensão de visitantes são oferecidos bilhetes de comboio. Só que muitas pessoas não têm para onde ir.
Não é o caso de Maya e Islam. As duas colegas universitárias vão para casa de amigos, em Varsóvia, para depois seguirem para os respetivos países, Emirados Árabes Unidos e Tunísia. Chegaram de madrugada a Przemysl, vindas de Kharkiv (Carcóvia), onde estudavam medicina. Dizem que não dormem desde a noite em que Moscovo iniciou os bombardeamentos. "Foram cinco dias loucos, mas parecem cinco anos. Estamos chocadas e traumatizadas, para dizer o mínimo", afirma Maya, somali de origem.
A partida de Kharkiv, no leste da Ucrânia, foi organizada por funcionários da universidade, e a longa e tensa viagem de autocarro demorou mais porque as famílias ucranianas tinham prioridade. "Eu compreendo. Estão em guerra e a tentar salvar os seus. Tenho pena deles", diz Islam. "Mas no fim de contas não foi assim tão mau para nós, pelo que soubemos de outros. Estivemos numa fila, ao frio, três ou quatro horas."
Passado o susto e o choque da "competição" nas filas junto da fronteira (uma versão do "cada um por si"), fica a dúvida se voltarão à Ucrânia. Islam estudava no quarto ano e Maya no terceiro. "Foi decretada uma pausa letiva. Vamos ver", diz Maya.
A partir de segunda-feira as autoridades fronteiriças passaram a aceitar apenas a identificação das mulheres e crianças ucranianas para que a passagem para a Polónia seja mais lesta. Por Shehyni-Medyka atravessaram umas 200 mil pessoas. Mas ninguém compreende porque só cinco dos 11 postos fronteiriços estão abertos, contribuindo para o estrangulamento.
Em sentido contrário também se circula. Três ucranianos com idade de mancebos chegaram de comboio para prosseguir até ao seu país. Não falam qualquer língua ocidental, pelo que a comunicação é possível graças a um telefonema para a namorada de um deles. Esta explica que Ilya viajou da Letónia para a sua terra natal, para a "defender".