Se a qualidade, influência e legado de um artista se mede também pelos números, é caso para dizer David Bowie tem sido alguém quase omnipresente, desde que há cinco anos deixou o mundo dos vivos, com a mesma genialidade que sempre se lhe reconheceu em vida. No dia do seu aniversário e apenas dois dias antes de morrer, vítima de um cancro no fígado diagnosticado apenas 18 meses antes, o Picasso da pop, como também era chamado, despediu-se dos fãs com o aclamado álbum Blackstar, que desde então já vendeu cerca de dois milhões de cópias..Como em tudo na vida do Camaleão do rock, outra das suas alcunhas mais populares, nada foi feito ao acaso. Afinal, David Bowie foi muito mais que uma mera estrela pop, pelo modo como resumiu na sua carreira os mais diversos tipos de artes, da música ao cinema ou da moda ao teatro, e com eles baralhou os conceitos sociais e as normas morais vigentes, conseguindo, ao mesmo tempo, reinventar-se sempre e cada vez mais enquanto artista. Até mesmo nos momentos mais incompreendidos pelos fãs, como nos anos 1990, num período que só em tempos mais recentes começou a ser realmente valorizado, foi alguém, sempre à frente do seu tempo. Recorde-se por exemplo que, em 1998, foi um dos primeiros artistas a interagir com os fãs através da internet, com a criação da BowieNet, um servidor que além de acesso à rede fornecia uma série de conteúdos exclusivos, muitos anos antes de tal se tornar norma na indústria musical..Verdadeiro mestre no modo como sintetizava em si todos os aspetos da cultura pop, David Bowie seria sempre um artista eterno e essencial, mas a verdade é que o seu desaparecimento físico parece ter potenciado um (lucrativo) culto, materializado em dezenas álbuns póstumos (entre raridades, edições masterizadas, diversas caixas e variados registos ao vivo), que resultaram em mais uns milhões de discos vendidos. Vamos então aos números: há precisamente um ano, o jornal britânico The Guardian noticiava que, só nos Estados Unidos, as vendas póstumas dos álbuns de David Bowie tinham aumentado mais de 5000 % e que o streaming de canções na plataforma Spotify tinha subido 2700%. Aliás, só na semana em que o Starman morreu, venderam-se cerca de 700 mil de álbuns de David Bowie - tanto físicos como virtuais. Em Inglaterra, o país natal do Major Tom, a corrida aos discos não foi menor, ascendendo agora a mais de cinco milhões desde a sua morte..Se tivermos em conta que cada uma destas edições especiais tem um preço de várias dezenas de euros ou até na ordem das centenas, percebe-se bem quão lucrativa a carreira de Bowie continua a ser para os seus herdeiros, que após a morte do artista negociaram com a Parlaphone Records, pertencente ao grupo Warner, os direitos de gestão e edição do imenso espólio do artista britânico..Um dos maiores sucessos tem sido a edição de álbuns ao vivo, com alguns dos momentos e digressões mais memoráveis de David Bowie. No final do ano passado, por exemplo, foi anunciada uma nova coleção de seis caixas, de edição limitada, intitulada Brilliant Live Adventures. Ali estarão reunidas gravações das três digressões efetuadas na segunda metade da década de 1990, para promoção dos álbuns 1. Outside (1995), Earthling (1997) e Hours (1999), no qual estava incluído o tema Brilliant Adventure, que serviu de inspiração para o nome desta nova série de discos ao vivo. O primeiro, Ouvrez le Chien (Live Dallas 95), saiu em outubro e o seguinte, No Trendy Réchauffé (Live Birmingham 95), apenas um mês depois. Para a próxima semana, a 15 de janeiro, sairá o terceiro, intitulado LiveAndWell.com, que reúne gravações de concertos em Nova Iorque, Amesterdão e Rio de Janeiro, efetuadas durante a digressão de Earthling, em 1997..Apesar deste último não ser um material propriamente inédito, pois já tinha sido disponibilizado em 2000 aos subscritores do BowieNet, a nova edição inclui dois temas bónus, apenas editados como single dos The Tao Jones Index, o nome usado por David Bowie e respetiva banda, quando atuaram, anónimos, na tenda de música eletrónica do festival de Phoenix, em 1997..Antes disso, a 8 de janeiro, foi também lançado o tradicional single de aniversário de David Bowie, que nesse dia faria 74 anos. Com uma edição limitada de apenas 8147 cópias, o disco inclui duas versões gravadas algures entre 1997 e 1998 e nunca antes reveladas, dos temas Mother e Tryin' to Get to Heaven, respetivamente de John Lennon e Bob Dylan..Como ator, Bowie participou em cerca de 30 produções. O seu primeiro grande papel, enquanto protagonista de uma grande produção, foi em O Homem que Veio do Espaço, um filme de ficção científica baseado no livro de Walter Trevis com o mesmo nome, realizado em 1976 pelo britânico Nicolas Roeg, sobre um extraterrestre que fica preso na terra. O mesmo argumento serviu de inspiração a David Bowie para a criação de Lazarus, o musical da sua autoria (em parceria com Enda Walsh) estreado na Broadway, em Nova Iorque, pouco mais de um mês antes de morrer, naquela que foi a sua última aparição pública, a 7 de dezembro de 2015. Com Michael C. Hall (Six Feet Under, Dexter), a peça esteve em cena durante mais de um mês e os bilhetes para todas as sessões esgotaram em poucas horas, tal como aconteceu posteriormente nas apresentações em Londres, Alemanha, Áustria e Amesterdão. Assim como ocorrreu com o disco Blackstar, toda a produção foi mantida em segredo até ao dia da estreia..YouTubeyoutubeU82heDabn5k.Bem mais pública - e controversa - tem sido a trajetória de Stardust, primeiro biopic, por incrível que tal pareça, dedicado a David Bowie, cuja estreia em Portugal, segundo a distribuidora Outsider Films, acontecerá ainda durante este ano. O enredo incide sobre o início da carreira de Bowie, em especial sobre a primeira digressão aos Estados Unidos, em 1971, quando já era um artista bem-sucedido em Inglaterra mas ainda desconhecido no resto do mundo. Segundo a lenda, terá sido durante essa viagem que criou o alter ego Ziggy Stardust, através do qual acabaria por se transformar numa estrela planetária..É esse processo de descoberta que, de forma assumidamente ficcionada, é narrado no filme, realizado pelo britânico Gabriel Range e com o também britânico Johnny Flynn a fazer o papel de jovem Bowie. O problema é que o mesmo não foi autorizado pela família do músico, que inclusivamente proibiu o uso de qualquer canção na banda sonora. Ainda não será, porventura, o grande filme sobre a vida de David Bowie que tantos anseiam, mas é o primeiro a ser feito desde a sua morte e com ele fica assim entreaberta a porta para mais um rentável filão.