Datas do voto da emigração congelam governo até à primavera

A repetição das eleições no círculo da Europa, decretada pelo Tribunal Constitucional, atira a tomada de posse do Parlamento e do governo para abril, bastante depois do que estava previsto.
Publicado a
Atualizado a

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu que a repetição das eleições no círculo eleitoral da Europa será feita presencialmente nos dias 12 e 13 de março e o voto por correspondência pode ir até ao dia 23 do mesmo mês. O que significa que só após esta data será feita a contagem dos votos e apurados os eleitos, o que será conhecido a 25 de março. Só depois é que a Assembleia da República poderá tomar posse. E a do governo, ainda posterior, deverá ser apenas em meados de abril.

Em conferência de imprensa, os responsáveis da CNE explicaram que a anulação de grande parte dos votos dos emigrantes daquele círculo se deveu ao facto de terem sido misturados em várias mesas os votos válidos com outros que não continham a respetiva cópia do cartão de cidadão do eleitor, mesmo depois de terem sido levantadas objeções sobre legalidade desses votos.

No entanto, o responsável da CNE admitiu que as mesas são soberanas na decisão de contabilizar e validar esses votos, caso não haja quem reclame. O que aconteceu, já que o PSD não se conformou com esses votos sem comprovativo de identificação. E recorreu para a mesa de apuramento geral, que deu razão ao partido de Rui Rio.

"Tudo isto tem contornos dramáticos. É de uma falta de sensibilidade e de desrespeito pelas nossas comunidades", afirma ao DN Paulo Pisco, que chegou a ser dado como eleito pelo PS pelo círculo de Europa, mas que agora aguarda pelo novo ato eleitoral para ver confirmado o seu mandato.

O cabeça de lista do PS pelo círculo da Europa afirma que a mesa de apuramento geral não teve "sensibilidade e bom senso, tendo em conta as circunstâncias, para não invalidar os votos". Dispara também sobre o PSD que, diz, se comprometeu tal como os outros partidos a aceitar os votos dos emigrantes mesmo que viessem sem a cópia do cartão do cidadão, para depois ser o "autor de todo este processo".

"Custa-me que tivessem sido deitados para o lixo mais de metade dos votos do círculo da emigração", frisa e lembra que já em 2019 tinha acontecido a mesma coisa. Altura em que ocorreram as primeiras eleições legislativas em que já decorreu o processo de recenseamento automático.

Paulo Pisco garante que não houve intenção dos partidos, incluindo do PS, de contornar a Lei eleitoral, mas apenas a de atender às circunstâncias muito específicas do voto dos emigrantes. "Em muitos países a partilha de dados é ilegal, pelo que os emigrantes entendem que ao enviar cópia do cartão do cidadão estão a contrariar isso, além de que têm medo de essa cópia possa ser usada de maneira incorreta", frisa, lembrando que o voto à distância é confiável. Primeiro porque há um código de barras que identifica o eleitor, diz, e depois porque é enviado por correio registado.

Sobre as alterações à lei que teriam evitado pela segunda vez a anulação de votos - e agora a repetição do ato eleitoral no círculo da Europa -, Paulo Pisco afirma que já estava criado um grupo de trabalho para tratar dessa matéria, mas "veio a dissolução da Assembleia da República e não podemos continuar".

Mostra-se receoso com o que irá acontecer com a participação eleitoral dos eleitores que viram o seu voto anulado, mas quer "acreditar que tendo mostrado vontade de participar o voltem a fazer", diz Paulo Pisco.

A cabeça de lista do PSD pelo círculo da Europa, que também foi dada como eleita, Maria Ester Vargas, frisa que o acórdão do Tribunal Constitucional, que determinou a realização de novo ato eleitoral, "vem de encontro aos protestos que fomos fazendo ao longo do escrutínio e que ninguém queria ouvir".

Maria Ester Vargas mostrava-se expectante quanto à decisão da CNE sobre a repetição das eleições e advertia: "É uma caixa de Pandora, quando começa mal podemos entrar noutro tipo de problemas".

O Tribunal Constitucional decidiu na terça-feira, por unanimidade, a repetição das eleições legislativas nas assembleias de voto do círculo eleitoral da Europa em que ocorreram ilegalidades.

Em causa estava a invalidação de mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa por não terem feito acompanhar o seu boletim por uma cópia do cartão do cidadão.

O Tribunal Constitucional aceitou um recurso apresentado por cinco partidos - Chega, Livre, PAN, Volt e MAS - e, em resposta ao Volt, declarou nula a decisão de invalidar mais de 157 mil votos relativos ao círculo da Europa, justificando que seria suscetível de influenciar o resultado, e mandou repetir o sufrágio nas mesas em que se deram os problemas, obrigando assim a reajustar o calendário político.

O TC só analisou o recursou do Volt porque considerou ser o mais bem instruído, de acordo com fonte do tribunal. Assim, os apresentados pelo Chega, Livre e PAN foram considerados "redundantes" e portanto "inúteis".

Quanto ao do MAS, nem sequer foi formalmente admitido por "não cumprir requisitos processuais necessários". Dado que o Volt só se referiu no seu recurso ao problema dos votos no círculo da Europa, foi apenas em relação a esse círculo que os juízes se pronunciaram. O TC não decide sobre problemas que não lhe são apresentados.

Segundo o edital publicado na quinta-feira sobre o apuramento geral da eleição do círculo da Europa, de um total de 195 701 votos recebidos, 157 205 foram considerados nulos, o que equivale a 80,32%. Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados de dezenas de mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los depois de introduzidos na urna.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt