"Das 9 às 5": quando as secretárias tomaram o poder no escritório
Em tempos de teletrabalho, é curioso deparar com memórias do cinema que colocam a realidade laboral em perspetiva. Ou melhor, permitem olhá-la de frente para perceber, por um lado, o que mudou, e por outro, o muito que está por fazer. É o caso da comédia Das 9 às 5, de Colin Higgins - lançada a 19 de dezembro de 1980; a segunda estreia mais rentável desse ano -, que hoje torna a imagem de um conjunto de pessoas a trabalhar no mesmo local em simultâneo qualquer coisa estranha à nossa visão.
Jane Fonda, Dolly Parton e Lily Tomlin são os rostos femininos que lideram aqui uma revolução, na sequência de um mau dia no escritório. Ao balcão do bar, as três secretárias afogam a raiva nos copos: Violet (Tomlin) porque a sua tão esperada promoção foi dada a um homem cujo trabalho ela própria supervisionou; Judy (Fonda), a novata, pelo tratamento arrogante do patrão; e Doralee (Parton) porque está farta do assédio deste, que inclusive andou a espalhar pela empresa que ela era sua amante. O que se segue? Fumam erva e cada uma cria a sua fantasia individual de como, pura e simplesmente, eliminar o patrão... Algo que fica retido no inconsciente e dá origem ao sequestro do dito, com as felizes criminosas a aproveitar a ausência de liderança sexista para tratar de tudo no gabinete.
"Tratar de tudo" significa mudanças significativas. Elas estabelecem horários flexíveis, partilha de trabalho, remuneração igual para homens e mulheres, e até um infantário no mesmo edifício para funcionários com filhos. É uma verdadeira utopia laboral - não tão utópica assim, e com resultados concretos de produtividade.
Na altura da estreia, o The New York Times chamou-lhe, com uma certa indiferença, "comédia de escritório." E, de facto, quando Jane Fonda teve a ideia de lançar o projeto de um labour film, não quis que fosse no registo dramático de, por exemplo, As Vinhas da Ira, de John Ford (por sinal, protagonizado pelo pai dela, Henry Fonda). A linha do argumento seria humorística, atraente e refrescante, com três protagonistas mulheres, tal e qual as comédias dos anos 1940 de que tanto gostava. Por isso, sim, podemos chamar a Das 9 às 5 uma comédia de escritório, sem desdém e com a certeza de que houve muita pesquisa séria por trás. Para a sua personagem, em particular, a atriz focou-se nas histórias de mulheres que entraram tarde no mundo do trabalho, devido a divórcios ou viuvez.
Jane, enquanto personalidade comprometida com as causas sociais, como sempre foi e continua a ser, estava interessada em passar a mensagem da maneira mais divertida possível. Como se ouve dizer no documentário Jane Fonda in Five Acts, ela "usou o filme como plataforma para causar mudanças." Olhando para a realidade (não só a criada pelo contexto da pandemia), essas mudanças ainda estão aquém da ficção. Como seria um remake de Das 9 às 5 em formato teletrabalho? Com certeza as três autopromovidas patroas teriam sensibilidade acrescida para questões contraditórias do foro doméstico e laboral. O modelo perfeito de cultura do trabalho - e de empresa - ficou congelado no filme de Colin Higgins.
O sucesso de Das 9 às 5 está também muito associado ao tema musical que Dolly Parton escreveu e interpretou para o filme. Nine to Five, com uma letra que relata a condição das mulheres à beira de um ataque de nervos, tornou-se um dos maiores hits da década, vencedor de dois Grammy e com nomeações para vários prémios, incluindo um Óscar.
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Para além disso, Parton, que já era um nome estabelecido no universo da música, teve nesta sobejamente elogiada estreia no cinema a sua rampa de lançamento para uma popularidade assegurada no ecrã. Se dúvidas houver, ainda hoje mantém a lógica da participação em produções musicais, como é o caso do mais recente filme natalício Christmas on the Square, disponível na Netflix.
Quanto à deliciosa dupla Jane Fonda e Lily Tomlin, é vê-las na série Grace and Frankie (também Netflix). De resto, uma química e dinâmica que vêm claramente da experiência de solidariedade feminina na génese de Das 9 às 5: aí, Tomlin é de um prazer desmesurado nas suas expressões de secretária que faz café ao patrão à espera de ser promovida, ao mesmo tempo que se revela capaz de conduzir confiante pela cidade com um cadáver na bagageira... Este é ainda o conto feminista que subverteu a gramática do assédio. E se fosse Dolly Parton a ordenar ao patrão para dar uma voltinha à sua frente de maneira a apreciar o "pacote"?