Dar voz às plantas tintureiras
É uma arte milenar e em França uma fatia gigante da indústria já usa plantas tintureiras no tingimento dos têxteis e na maquilhagem. Em Portugal é quase inexistente. O (pouco) que existe é feito de forma totalmente artesanal e em pequenas quantidades, o que encarece o produto final.
Como refere Joana Leão, técnica da ADPM - Associação de Defesa do Património de Mértola, a indústria portuguesa não trabalha com plantas tintureiras no tingimento natural. A explicação, acrescenta, está não só nas lacunas existentes no processo de tingimento e na extração do corante. Não só porque fica muito mais caro do que o recurso ao corante sintético, mas, também, porque as cores obtidas através dos corantes naturais "não têm tanta resistência às lavagens, à luz...".
Quer isto dizer que não vale a pena apostar nas plantas tintureiras? Apesar de serem uma tendência crescente em outros países (França é apenas um deles)? E que plantas se adaptam ao solo e clima português? Estas foram algumas das questões que o plano de trabalhos quis responder.
E isso é importante porque, como constata Joana Leirão, não há produção de plantas tintureiras em Portugal. Ou seja, o grupo operacional teve de começar a investigação do zero. Ou seja, pesquisar e definir as espécies a plantar (e testar) para verificar se se adaptavam ao solo e clima nacional. Para tal foram escolhidos dois locais, um no Norte (Barcelos) e outro no Alentejo (Almodôvar), por forma a terem dados de comparação.
Mas esse não era o único objetivo do Grupo Operacional. A par da avaliação das plantas tintureiras havia também que valorizar os produtos endógenos. Então nada como "juntar o útil ao agradável", ou, por outras palavras, criar sinergias entre os dois objetivos do programa. Então "fomos buscar a campaniça que é a raça tradicional de ovinos do Baixo Alentejo", refere Joana Leão. A associação pode parecer estranha, mas, só no início. Porque, depois de conseguir a plantação, recolha e extração dos corantes naturais era necessário testá-los. E é aqui que entra a lã da campaniça.
Mas comecemos pelo início. Antes de mais foi necessário ter produtores associados, para se poder estudar a germinação e produção das plantas. Algo extremamente importante dado que, como refere a técnica da ADPM em Portugal não só não há produção como não existe informação sobre estas plantas. O que obriga a plantações de teste. Porque há plantas tintureiras na natureza. Não há é produção em pequena, média ou grande escala. O que significa que, dada a inexistência de informação, coisas tão simples como quais as plantas que têm maior probabilidade de sucesso ou quais as exigências (em termos de solo, luz solar, nutrientes...) para poderem vingar são incógnitas às quais os investigadores tentaram responder.
Com o programa quase a terminar - os resultados finais serão apresentados em junho - e depois de quatro anos de investigação, condicionados pela pandemia, o Grupo Operacional vai apresentar, no II Encontro de Tinturaria Natural, que terá como tema central "Corantes, tingimento e valorização têxtil", os seus sucessos e insucessos. As espécies que não conseguiram reproduzir-se (e porquê) e que não só vingaram como se conseguiu extrair o corante. Mesmo os insucessos podem ser considerados como sucessos. Confuso? Tendo em conta que não havia qualquer tipo de informação de background todas as plantas foram plantadas em teste. O insucesso, neste caso, significa que não se adaptaram.
Mas também houve sucessos. Ao longo dos quatro anos houve sementeiras que vingaram e plantas que puderam seguir para a segunda fase do projeto, em laboratório, onde se investigou como é possível otimizar o processo de extração e como é que o corante pode ser conservado de forma a não perder qualidades. Como refere Joana Leitão, tendo em conta que o fim último da investigação é a indústria, assegurar que os pós extraídos têm a resistência necessária ao negócio, ou, dito de forma outra, que conseguem manter, durante mais tempo, as características que aufere a cor ao têxtil. O trabalho laboratorial é feito na UBI - Universidade da Beira Interior e no INIAV - Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. E é nesta fase que entram as ovelhas campaniças. Porque é na sua fibra que se está a testar o tingimento.
Depois destes resultados a expectativa é conseguir concorrer a novos apoios comunitários - o Grupo Operacional Tinturaria Natural é cofinanciado pelo PDR 2020, Portugal 2020 através do FEADER - por forma avançar com uma segunda fase, onde não só se pretende testar novas plantas tintureiras, como envolver a indústria têxtil no projeto. Tanto mais que o processo de extração e tingimento já foi verificado. Agora há que explorar as várias espécies e perceber quais as que melhor se adaptam às condições específicas nacionais. Esta pode ser não só uma oportunidade de valorizar os produtos endógenos como descobrir uma oportunidade de negócio.