"Dada a pandemia, o anúncio do fecho devia ser adiado"

O presidente da Câmara Municipal de Sines defende que o encerramento da Central envolve não só os trabalhadores, mas também as suas famílias e empregos envolventes. Continua à espera das soluções.
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O governo antecipou o encerramento da Central Termoelétrica de Sines para 2023, depois a EDP decidiu fechar neste ano. O que fez a autarquia?
Aquelas que seriam as datas até final de 2030 foram antecipadas tendo em conta os objetivos de Portugal para atingir a neutralidade carbónica. Fiquei preocupado e escrevi ao secretário de Estado de Energia, João Galamba, referindo os impactos sociais que essa decisão teria na região. Embora a maioria dos trabalhadores seja do concelho de Sines, cerca de 65 %, acaba por ter um impacto nos concelhos vizinhos, principalmente em Santiago do Cacém.

Quais são essas preocupações?
Por iniciativa dos sindicatos, fizemos um fórum em março de 2020, onde foi referido que deveriam ser encontradas soluções reais e céleres para os trabalhadores da Central. Foi assinado um protocolo entre o IEFP e o Fundo Ambiental, no valor de cem mil euros, mas quatro meses depois a EDP antecipa o encerramento. Em novembro, numa reunião com o IEFP, os secretários de Estado do Emprego e da Energia, os sindicatos e a EDP Produção, o sindicato propôs uma série de pontos para minimizar os impactos negativos do encerramento da Central, não só para os trabalhadores da EDP e dos subempreiteiros, como toda a atividade económica gerada através Central.

O protocolo teve consequências ?
Nesta semana, enviei um ofício aos dois secretário de Estado a perguntar pelas medidas para minimizar esses impactos.

Quais são esses impactos?
À partida, os funcionários da EDP estão garantidos pelas soluções encontradas pela empresa. Os outros estarão numa situação muito mais delicada, não apenas os que trabalham para a Central como toda a atividade envolvente, o porto de Sines, as empresas de transportes.

Está a falar em quantos mais trabalhadores além dos 250 indiretos?
Podemos falar em mais 150 pessoas. E cada trabalhador tem um agregado familiar, representa bastante no tecido económico do concelho, que tem 14 mil habitantes.

Qual é a situação do concelho relativamente a taxas de desemprego?
Apesar de Sines ter um histórico de baixas taxas de desemprego, a pandemia fez adiar uma série de investimentos. Não é só o encerramento da Central Termoelétrica que está em causa, mas o facto de algumas empresas não avançarem com os investimentos previstos. Estamos a falar de mais de três mil milhões de euros.

Esses 400 trabalhadores não têm hipóteses de serem absorvidos dos pelo mercado de trabalho?
Trabalham numa área muito específica, uma parte pode ser absorvida pelo porto de Sines e outros investimentos, mas que vão demorar mais tempo do que estavam previstos. Vai depender do que for a evolução da pandemia.

No fórum de março, o secretário de Estado João Galamba disse que o projeto para uma fábrica de produção de hidrogénio verde em Sines iria criar mil empregos.
Se o investimento anunciado pelo governo se concretizar, uma decisão que será tomada no primeiro semestre deste ano, vai criar muitos postos de trabalho, mas prefiro contar com os investimentos que estão mais próximos do que do hidrogénio. E há toda uma atividade turística que está em crescendo: temos três hotéis em construção.

O turismo terá tido uma grande quebra devido à pandemia.
Não posso dizer que 2020 tenha sido muito pior do que 2019. Esta região do Alentejo atraiu muito mais turistas do que no ano anterior, pessoas que deixaram de ir para o Algarve e para outros locais. Os nossos hotéis tiveram boas taxas de ocupação e os restaurantes também.

O encerramento não poderá ter impacto negativo nos veraneantes que procuravam São Torpes pela água quente?
Não é significativo. Temos dois tipos de pessoas que procuram esta região. Por um lado, o turismo de negócios; de segunda a sexta-feira estas empresas trazem muito movimento. Depois temos uma costa fantástica; temos uma atividade cultural e desportiva muito intensa.

E como é que a câmara vai substituir os 1,7 milhões de euros que recebiam anualmente de taxas da produção da Central?
É uma receita significativa e que vamos deixar de receber. Vamos ter de encontrar receitas alternativas.

Receia que outras empresas venham a encerrar, nomeadamente a refinaria de petróleo?
Com o encerramento da refinaria de Matosinhos não acredito que a de Sines feche na próxima década. O país não pode ficar dependente da importação de combustíveis. A Galp, ao fechar Matosinhos, irá concentrar a produção em Sines.

Concorda com a forma como está a ser feito o desmantelamento das indústrias poluentes?
Independentemente de esta ser uma decisão política e económica, não foi escolhido o momento mais correto. Em 2019, quando o governo anunciou, no âmbito da sua política para atingir a neutralidade carbónica, que queria encerrar as centrais até 2023, não adivinhava que viesse uma pandemia. No entanto, e perante o que aconteceu no mundo, deveria ter sido prorrogado por mais algum tempo esse anúncio.

Mostrou-se favorável a esta transição. Sente-se enganado?
Não é o termo correto ter sido enganado. O que acho é que, a partir do momento em que se percebeu que o país, e o mundo, estavam a atravessar um problema como este poderia ser encontrada uma outra solução e prorrogado o encerramento da Central, mas essa é uma decisão que não passa por nós. Se fosse eu, não tomava essa decisão. Não só por questões económicas, mas também para garantir que não ficássemos dependentes de um país para consumir energia.

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