Da luta pelos direitos dos professores à "chantagem": o que disse o ministro
Desde que começou a negociação do descongelamento das carreiras que os professores se têm batido pela contabilização de nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço em que tiveram a progressão parada, fazendo a contagem recuar ao tempo do governo de José Sócrates (2005). E o governo defende que há menos dois anos em dívida (em 2007 houve descongelamento, pelo que só contabiliza o tempo a partir do novo congelamento) e sobretudo que não é possível dar aumentos anuais médios de 6 mil euros aos 22,3 mil professores que deviam ter atingido este ano o topo da carreira, porque não há dinheiro. Nas contas de António Costa, esse acerto custaria 650 milhões de euros - que o país não tem para gastar.
Para fazer progredir os 46 mil com que se comprometeu neste ano e garantir a reposição da carreira aos 7 mil que entraram nos últimos sete anos, o governo previa, no Orçamento para 2018, gastar 110 milhões.
Na última semana, o Ministério da Educação afirmou só estar disponível para recuperar a contagem dos últimos três anos. O ministro irritou-se e foi acusado por sindicatos e partidos à esquerda do PS de fazer chantagem com os professores, azedando de vez uma relação que se tem vindo a degradar ao longo do último ano e meio.
Novembro de 2017
Com a promessa de descongelamento a entrar no Orçamento do Estado para 2018, Tiago Brandão Rodrigues garantia que ia "lutar radicalmente" pelos direitos dos professores. "Têm a minha palavra de que lutarei radicalmente pelos direitos dos professores. É preciso fazê-lo entre todos para que as condições do pessoal docente e pessoal não docente possam ser melhoradas inegavelmente e indubitavelmente", afirmava então no Congresso das Escolas, na Gulbenkian.
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No final desse mesmo mês, já mostrava mais cautela, mas ainda se colocava claramente ao lado dos professores. "Temos feito um caminho com os professores de forma responsável, deixando balizas claras de que o diálogo acontece sempre, mas também com muita responsabilidade. É assim que, naturalmente, temos feito ao longo destes dois anos e, nesse sentido, vamos trabalhar com as organizações sindicais para falar da carreira dos professores, da valorização da condição docente, mas também de um pacote de outras questões que estão em cima da mesa", afirmava.
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Dezembro de 2017
Poucos dias depois, ao virar do mês e em entrevsta ao DN, afirmava já o ministro que era preciso contabilizar vários elementos na progressão das carreiras dos professores. "Não é exclusiva e essencialmente o tempo que conta na carreira dos professores, existem outras questões. Existe a avaliação e existe também a questão da formação. (...) Sabemos que a carreira dos professores existe, sabemos o que ela implica, sabemos também os passos que cada um dos professores dá para lá chegar e para ir subindo na sua carreira profissional. Obviamente que nós sabemos que os professores não são os únicos que têm uma carreira que conta essencialmente pelo tempo e isso foi muito falado nas últimas semanas." E por fim, admitia pela primeira vez que talvez não fosse possível corresponder às expectativas dos docentes: "Nós sabemos que os cofres públicos não são ilimitados, não são absolutamente elásticos e maleáveis e, nesse sentido, temos de tomar opções."
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Janeiro de 2018
Com o novo ano chegava a concretização da vontade de descongelar as carreiras dos docentes. Mas nem por isso estavam mais clarificados os termos em que isso aconteceria. "O acordo é para cumprir e é essa a segurança que eu dou aos docentes e às organizações sindicais. Quando nós assinamos um acordo é para cumprir, também temos de cumprir a lei e o estatuto da carreira docente", dizia o ministro da Educação quando questionado por jornalistas sobre o descongelamento das carreiras no setor da Educação e respetivo aumento salarial.
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E acrescentava: "Os professores receberão no mês de janeiro a atualização e se não tivermos a informação devida de cada um dos professores, o que acontecerá, naturalmente, é que haverá retroativos."
Fevereiro de 2018
Sucessivas reuniões arrastavam o processo sem acordo, levando os sindicatos a marcar greve e o Ministério a comprometeu-se a apresentar nova proposta sobre a recuperação do tempo de serviço congelado.
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No final do mês, a proposta do governo cai com estrondo junto dos professores. "Um insulto", reagem, ao saber que o Ministério da Educação propõe a recuperação de dois anos e 10 meses de serviço, em lugar dos mais de nove que reclamam. Este tempo corresponde à criação de "uma lógica de equidade com as carreiras gerais" da administração pública, justifica a secretária de Estado Alexandra Leitão.
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Março de 2018
O falhanço nas negociações levam os professores a manter os dias de greve que haviam marcado para março mas que previam poder anular contra uma proposta "séria" do governo. No Parlamento, o governo é acusado de fazer "um apagão" ao tempo de serviço dos professores. Numa comissão parlamentar no final do mês, a oposição, da esquerda à direita, citicava o ministro pela forma como tem conduzido o processo. "Os professores sentem-se enganados. Sentem que uma declaração do Ministério de nada vale." E Tiago Brandão Rodrigues respondia com números: "Neste ano, 99 220 docentes viram o descongelamento acontecer e 46 mil terão a progressão."
Junho de 2018
Acabou-se a diplomacia. "Neste momento o governo entende que não existem condições para que se possa chegar a um acordo. Não há espaço para continuarmos estas negociações", e por isso ficará "tudo como estava", anunciava o ministro da Educação no final de mais uma reunião com os sindicatos. "Durante sete anos [entre 2011 e 2017], as leis do Orçamento do Estado foram muito claras: as carreiras estavam congeladas e esse tempo não contava para a progressão", afirmou Tiago Brandão Rodrigues, lembrando que o governo apenas se comprometeu a descongelar as carreiras, "o que foi feito a partir de 1 de janeiro".
A mensagem não podia ter sido mais mal recebida por oposição e sindicatos, com BE e outros a acusar Tiago Brandão Rodrigues de fazer "uma chantagem inaceitável" sobre os professores. "O ministro disse-nos que se não aceitarmos o apagão de 70% do tempo de serviço a proposta do governo desaparece e apaga-se o tempo todo. Isto tem um nome. Chama-se chantagem", afirmou também Mário Nogueira.
Que efeitos terá para o governo este braço de ferro é o que ainda está por saber. Por agora, e apesar da carta aberta ao ministro para que dfenda a contagem total do tempo para a progressão, entregue na Assembleia, continua a haver 500 milhões a separar as propostas de governo e professores
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