Da Letónia chega uma proeza dos desenhos animados
Através de cineastas tão diversos como Alfred Hitchcock ou David Lynch, sabemos que o cinema, mesmo quando emprega elementos eminentemente realistas, pressente e, mais do que isso, explora a atracção do sonho. Assim acontece numa pequena grande proeza dos desenhos animados: chama-se Away - A Viagem, tem assinatura de Gints Zilbalodis e constitui uma das belas surpresas deste período de reabertura e relançamento das salas de cinema.
O mínimo que se pode dizer é que estamos perante um objecto comercialmente desprotegido. É certo que integrou a lista de candidatos ao Óscar de melhor longa-metragem de animação de 2019, mas não chegou às nomeações. Além disso, trata-se de uma produção de meios sofisticados, mas minimalistas, proveniente não dos grandes estúdios dos EUA que dominam o sector, mas da Letónia.
Em termos simples, esta é a história de um rapazinho que começamos por descobrir ameaçado pela figura de um gigante, meio robot de ficção científica, meio monstro de um clássico de terror da década de 1940 - a fuga que empreende confunde-se com a descoberta de uma paisagem plena de prodígios e assombramentos.
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Nunca é muito preciso, ou melhor, não há nada de racional naquilo que acontece ao jovem herói e ao seu passarinho amarelo. Não por indefinição dramática, antes porque tudo parece oscilar entre os desafios mais clássicos da aventura (por exemplo, atravessar uma gigantesca ponte de madeira que ameaça desabar) e algumas revelações surreais (como acontece com a "fonte dos sonhos").
Gints Zibalodis demonstra um invulgar sentido de composição. E não apenas na definição de cada uma das figuras ou objectos que coloca em cena, também na sua relação física e simbólica. Mais do que isso: a sobriedade elegante dos seus desenhos combina-se com uma delicada construção narrativa, de tal modo que Away - A Viagem, sendo um exercício de surpreendente austeridade (não há um único diálogo, apenas títulos dos "capítulos" em que se divide a acção), não deixa de ser uma fábula de sobrevivência conduzida por uma elaborado sentido de "suspense".
A estreia de um filme tão "marginal" faz-nos lembrar que, também no caso da animação, importa não reduzir o nosso horizonte aos produtos que trazem a chancela dos estúdios de Hollywood. Alguns deles admiráveis, não é isso que está em causa. O que está em causa é, isso sim, a valorização da pluralidade do próprio conhecimento cinéfilo.
* * * * [ Muito bom ]