Da honra de ter em Lisboa o príncipe do Koweit ao chef português da França
Lisboa, 23 de fevereiro, seis e meia da tarde. A rotunda do Marquês não é o único ponto de convergência do trânsito da hora de ponta. Umas centenas de metros mais abaixo, dezenas de carros de alta cilindrada, muitos com a sigla CD na matrícula, encostam como podem em frente ao Hotel Tivoli, sob a vigilância de um contingente reforçado da PSP. O espaço Terrace, no 9.º andar, é naquele final de tarde o palco de uma tripla celebração do Koweit: os 55 anos da independência, os 25 da libertação da ocupação iraquiana e o 10.º aniversário no trono do emir Sabah Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah.
O anfitrião do banquete, embaixador em Lisboa desde dezembro, é o xeque Fahad Salim Al-Sabah, ele próprio membro da família real, primo do monarca. Não é comum este pequeno país do golfo Pérsico, com um dos maiores PIB per capita do planeta, indicar um parente do emir como embaixador. "Antes de Lisboa, só aconteceu com Washington e Riade", conta Nawaf Al-Saied, conselheiro da embaixada. "Esta nomeação representa a importância dada a este posto e é um incentivo às relações com Portugal", acrescenta.
A "ligação aos países de língua portuguesa", com os quais o Koweit espera estreitar relações comerciais, é um dos atrativos. Mas não o único. "Temos muito interesse em receber engenheiros portugueses, porque há grandes obras em curso no Koweit. Também gostaríamos de ter uma ligação aérea direta com Portugal. Os senhores da TAP, se quiserem, venham falar connosco, que faremos o que pudermos para ajudar."
Para já, o grande beneficiário da presença do novo embaixador tem sido o próprio hotel. Há três meses que o príncipe, acompanhado do seu círculo mais próximo, ocupa três quartos, um deles suite, no luxuoso hotel de cinco estrelas. Sairá em breve, para uma moradia histórica do Restelo, onde funcionará a chancelaria e a residência oficial.
O "ambiente internacional", a segurança e o clima fazem da capital portuguesa um posto agradável para os diplomatas estrangeiros. "Todos os embaixadores gostam muito de estar em Lisboa. Até agora ainda não conheci quem não gostasse de cá estar. É um bom ambiente de trabalho, muito internacional", conta Orla Tuney, embaixadora da Irlanda.
A dificuldade, com dezenas de representações estrangeiras numa cidade de dimensão média, pode ser encontrar tempo para os locais. "Sabemos que existe a imagem caricatural dos diplomatas, sempre juntos em cerimónias e receções. Na realidade, tentamos ter algum cuidado, porque o grande o objetivo é fazer contactos com os portugueses. Temos de equilibrar", diz a diplomata. "É comum, por exemplo, entre os países da União Europeia, juntarmo-nos e oferecermos eventos conjuntos, para os quais convidamos algumas personalidades portuguesas."
As grandes festas, como os dias nacionais dos países, acabam por ser boas oportunidades para chegar a um público mais amplo. No caso da Irlanda, conta a embaixadora, a grande aposta será o dia de St. Patrick, que se festeja hoje. "Estamos a preparar uma festa junto à Torre de Belém, numa parceria com a Câmara de Lisboa, diz Orla Tuney. "Teremos músicos contratados aqui mas vamos trazer algumas pessoas da Irlanda, principalmente praticantes de alguns dos nossos desportos, como o futebol irlandês e o hurley."
O chef português
No que toca a grandes e pequenos eventos, sobretudo envolvendo gastronomia, poucos se comparam com os franceses, inventores da expressão "alta-cozinha". E na Embaixada de França em Lisboa, no Palácio de Santos, cabe ao chef português João Menezes a responsabilidade de manter essa reputação. Há um ano, assumiu sozinho a ementa da primeira edição do Gôut de France. Neste ano, a 21 de março, voltará a fazê-lo, desta vez em parceria com Antoine Westermann, da Fortaleza do Guincho.
Jean-François Blarel, embaixador francês, garante que esta aposta num cozinheiro português "não tem nada de invulgar. Temos muita coisa em comum com os portugueses. Gostamos de boa comida, de bom vinho e de boa companhia à mesa", conta.
Mas João Menezes, que fez parte da sua formação com o chef francês Aimé Barroyer, no Pestana Palace, não esconde que teve de conquistar o seu espaço: "Já vou fazer sete anos aqui e os embaixadores trocam de três em três anos. Vem outro e tenho de voltar a conquistá-los", conta. "Já vou para o quarto embaixador e, quando eles vêm, há sempre uma desconfiança inicial. Não é só ser português, é também por ser relativamente jovem, com 30 e poucos anos, mas eu acabava sempre por convencê-los."
Definitivamente conquistados estão o atual embaixador e a mulher. Todas as semanas, "entre pequenos-almoços, almoços, jantares e cocktails", a Embaixada de França organiza "entre três e cinco eventos". E tudo sai da cozinha de João Menezes. Nada é encomendado. "Estamos a promover o que é francês quando recebemos embaixadores, empresários, deputados, e queremos mostrar o que é francês, mas com os nossos produtos: o peixe, a carne e os legumes", que são ótimos", acrescenta, revelando que o Mercado da Ribeira é o local de abastecimento diário.
Rena na bagagem
Ter um chef residente português é uma raridade entre a comunidade diplomática. Mas integrar funcionários nacionais nas equipas é usual, tal como o recurso a fornecedores e empresas locais. Esta é uma.
Na representação finlandesa, conta Katriina Pirnes, adida de Cultura e Comunicação, recorre-se com frequência a entidades portuguesas quando é preciso "organizar um evento de alguma envergadura". Foi o caso, no ano passado, num dia dedicado ao país no Casino Figueira. "Fornecemos as receitas e o chefe do casino executou."
Muitas vezes, a embaixada acaba por "ceder nos ideais de oferecer coisas tipicamente finlandesas. Vamos pelas ementas tradicionais. As empresas de catering em Portugal funcionam muito bem e são muito abertas a sugestões", diz.
Este é, aliás, um dos setores da economia portuguesa que mais beneficiam da agitada agenda de eventos dos corpos diplomáticos.
Mas há sempre datas especiais, em que as embaixadas oferecerem pratos típicos dos seus países. "Usamos muito os produtos locais e há outros que vamos encontrando, por exemplo no IKA. Mas alguns não existem, como os mirtilos selvagens", conta Katriina Pires. "Por vezes, quando vamos à Finlândia, trazemos carne de rena", conta.
Na embaixada da Coreia, diz ao DN Jun Sun Lee, assessora cultural, "a cozinheira residente do senhor embaixador prepara sempre os pratos coreanos", recorrendo-se a empresas de catering para a cozinha internacional. A maioria dos produtos são locais, mas há alguns "que são adquiridos nos supermercados coreanos em Espanha ou na Alemanha, pois cá não existe nenhum supermercado coreano".