Crianças ilegais nos EUA: proibidos abraços, mesmo entre irmãos
As crianças que atravessaram a fronteira dos EUA ilegalmente e que foram enviadas para centros de detenção longe dos pais, não passam fome e têm direito a educação, mas estão presas. E, como os reclusos, têm horas para acordar e adormecer, e regras, dezenas de regras, que incluem não tocar em outras crianças - mesmo que seja o irmão ou irmã -, não podem escrever às famílias e, caso se portem mal, arriscam uma "pena maior", ou seja, terão de ficar mais tempo no abrigo, o que significa que irá demorar ainda mais o reencontro com os pais.
Quatro jornalistas do The New York Times falaram com algumas das crianças que estão detidas em vários abrigos dos EUA e contam como é o dia a dia destes miúdos de oito, dez ou 15 anos, que não sabem quando é que irão ver novamente os pais.
O texto é um relato angustiante da vida dos filhos dos imigrantes ilegais, também eles detidos, a maioria sem saber em que ponto dos EUA está o resto da família.
São milhares de crianças, centenas atravessaram a fronteira sozinhas. Há adolescentes grávidas, irmãos separados, cada um no seu abrigo, mas há, sobretudo, a falta imensa de um abraço.
Entre as muitas regras, contam-se estas: as crianças não podem sentar-se no chão, correr, partilhar a comida, usar alcunhas, e é melhor não chorar, ou fazê-lo muito baixinho.
As luzes apagam-se às nove da noite e são acesas logo de madrugada, cada um faz a sua cama de acordo com as instruções que estão afixadas nas paredes dos centros de detenção.
Têm de lavar e passar o pano na casa de banho, esfregar lavatórios e sanitas. Depois, formam uma linha direita para tomarem o pequeno-almoço. Há filas para tudo, conta uma das meninas com quem o jornal falou e que foi enviada para um abrigo no sul do Texas - um de entre os cerca de 100 centros de detenção contratados pela Administração Trump e destinados a estas crianças.
Estão espalhados por todo o país. São "uma mistura de internato, creche e prisão de segurança média", escreve o NYT. Destinam-se a menores como Leticia, de 12 anos, e o irmão, Walter, de 10. Que não se podem abraçar.
Como resposta à pressão internacional, Donald Trump emitiu uma ordem executiva para acabar com a prática que ele mesmo instituiu. A política de "tolerância zero" resultou em que milhares de crianças fossem enviadas para instalações de detenção, às vezes a centenas ou milhares de quilómetros das prisões onde os pais estão detidos.
Na semana passada, o Governo norte-americano devolveu pouco mais da metade das 103 crianças com menos de 5 anos aos pais.
Mas mais de 2.800 crianças - que estão separadas das famílias ou atravessaram a fronteira sozinhas - permanecem nos centros. E, tal como não escolheram nascer num país pobre ou em guerra, também aqui a sorte irá ditar-lhes a vida: há crianças enviadas para centros de detenção que eram antigos motéis, em zonas degradadas, mas também há menores que foram enviados para instalações que se assemelham a verdadeiros campos de férias. As regras são as mesmas. E os menores são desencorajados a passar tempo no recreio - há um horário estipulado para estarem ao ar livre.
Existem casos de crianças a quem são dadas injeções, porque são muito agitadas, como um pequeno rapazinho da Guatemala que atirava coisas ao chão. O médico dava-lhe a injeção mesmo no meio da aula e o menino ficava imediatamente a dormir, contou aos jornalistas um rapaz de dez anos, brasileiro, que já conseguiu reunir-se com a mãe. Nenhuma das crianças está autorizada a escrever aos familiares.
Uma adolescente de 15 anos, da Guatemala, depois de saltar o muro para os EUA, passou dois dias num centro conhecido como "icebox" (caixa de gelo) e dois dias numa longa viagem de autocarro até ao Texas. A mãe ficou detida no Arizona. Foi em maio e as duas ainda não se reencontraram.
Num dos abrigos do Texas, a "Casa Padre", um dos empregados contou que quando estão tristes as crianças ficam muito quietas. Algumas abraçam-se a elas mesmas, o único abraço permitido no lugar onde as noites começam ainda durante o dia.