Crédito da casa baixou 200 milhões por mês em seis anos
O "gosto" dos portugueses em indexar o empréstimo à habitação às Euribor tem-se traduzido numa relevante folga do rendimento disponível. Os números falam por si: em 2009, as prestações do crédito da casa custavam às famílias mais 200 milhões de euros por mês do que o valor gasto em 2015. Apesar deste alívio trazido pelas taxas de juro baixos, o nível de poupança não deixou de recuar, tendo batido um novo mínimo histórico no ano passado de 4,2%.
A este alívio com a fatura da prestação da casa somou-se uma redução do prazo residual médio destes empréstimos, que desceu de 28 para 24 anos, segundo refere a versão preliminar do estudo "Poupança e financiamento da economia portuguesa", que será apresentado hoje na conferência Portugal Seguro 2016, promovida pela Associação Portuguesa de Seguradores, em parceria com o DN e a TSF.
Uma boa parte daquele rendimento adicional terá sido canalizado para consumo, acredita Fernando Alexandre, professor na Universidade do Minho e um dos autores do estudo. Do lado das empresas, o recuo da Euribor também se traduziu num forte alívio do custos com os empréstimos. Basta referir que, entre 2008 e 2015, os encargos com os juros da dívida total das empresas à banca diminuíram de 8,6 mil milhões de euros para 4,7 mil milhões.
Poupar ou reduzir consumo? Este é um dos dilemas com que se debatem as famílias perante uma quebra de rendimento disponível. Não há uma causa única que explique uma opção por um caminho ou pelo outro, mas os dados não deixam margem para dúvidas - a taxa de poupança das famílias portuguesas é das mais reduzidas no contexto da OCDE e também das que mais baixaram ao longo dos últimos anos. Com taxas de poupança mais reduzidas apenas estão a Grécia, Chipre e a Sérvia.
Ainda que o aumento do endividamento não esteja diretamente associado à diminuição da poupança, o aumento das taxas de juro antes de 2008 e o seu impacto no rendimento terá levado alguns a optar por cortar na poupança em vez de reduzir no consumo.
Seja como for, ambos (endividamento e poupança) são influenciados pelo ciclo de vida: ou seja, tendem a concentrar-se mais numa determinada faixa etária. Os dados atuais mostram que o endividamento se concentra, sobretudo, entre os 30 e os 45 anos (que corresponde a 22% da população total e 50% do crédito), sendo cada vez mais residual entre os que têm menos de 30 anos. E por que motivo é que os jovens manifestam cada vez menos interesse em comprar uma casa? Por causa da precariedade associada aos contratos de trabalho e à incerteza sobre o local onde vão trabalhar.
Do lado da poupança, a idade é também um fator relevante, concentrando-se nos que têm entre 45 e 64 anos. No entanto, como assinalou Fernando Alexandre, este é também um segmento da população que tem de lidar com uma pesada fatura de encargos, desde a prestação da casa à educação dos filhos.
O fator que mais faz diferença no nível da poupança é o valor do rendimento disponível. E é isso que explica que 10% das famílias com rendimentos mais altos concentrem cerca de 75% da poupança. Ainda assim, "a maior queda da poupança ocorreu nas famílias com rendimentos elevados".
O estudo analisa os vários ciclos de quebra da poupança em Portugal e conclui que há vários motivos para que tal tenha sucedido e que estes podem ser diferentes consoante a época: na década de 1980 houve a maior apetência para comprar bens que antes eram de difícil acesso; mais à frente a explicação estará também no conforto do Estado social (que oferece ensino e saúde tendencialmente gratuitos e reformas generosas) e ainda o acesso fácil ao crédito.
Ao nível das empresas, destaca-se o nível de endividamento, que subiu de 38% para 44% entre 2006 e 2014 e que foi o aumento das suas necessidades de financiamento no período anterior à crise que respondeu pela queda na poupança - devido aos juros e dividendos pagos pelas empresas. Estas necessidades de financiamento acabaram por desempenhar um papel relevante na acumulação dos desequilíbrios externos da economia portuguesa, ainda que no período pós-crise se tenha assistido a uma descida do endividamento. Só na Holanda e na Islândia a dívida das empresas é, percentualmente, superior à de Portugal.