O ministro da Defesa propôs há dias um conjunto de medidas para o Hospital das Forças Armadas (HFAR) que põem em causa a natureza militar daquela unidade e, nalguns casos, são consideradas inaceitáveis pelas chefias, soube o DN..O assunto foi discutido no início do mês em Conselho Superior Militar (CSM), com o ministro João Gomes Cravinho a apresentar um documento feito com base num estudo coordenado por Ana Jorge e que as Forças Armadas desconhecem, confirmaram várias fontes dos diferentes ramos..Algumas das indicações dadas por Gomes Cravinho "não eram aceitáveis" para as chefias, com muitas altas patentes a exprimirem desde o início fortes reservas à escolha da ex-ministra da Saúde Ana Jorge para liderar o referido estudo, devido às falhas que lhe apontaram num outro estudo feito há anos sobre a saúde militar..Certo é que, segundo as fontes do DN e tendo as chefias militares sido "confrontados com um documento" feito a partir de um estudo que desconhecem, o texto criou nas fileiras a impressão de que o governo admite colocar civis à frente do HFAR. Ora isso é "completamente inaceitável", enfatizou ao DN uma alta patente já conhecedora do que foi discutido em CSM..Eliminar a regra da rotatividade entre os três ramos para os cargos de chefia - ocupados sucessiva e alternadamente por oficiais da Marinha, Exército e Força Aérea - e fazer nomeações com base nas competências técnicas dos profissionais em vez de nos respetivos postos militares foram duas das orientações dadas por Gomes Cravinho, segundo as fontes ouvidas pelo DN sob anonimato por não estarem autorizadas a falar..Para a tutela (e Ana Jorge), "o HFAR não é uma estrutura tipicamente militar", indicou uma das fontes, pelo que a gestão do HFAR deveria assentar em "princípios de profissionalização [e] gestão eficiente" dos recursos humanos afetos ao hospital militar..O HFAR funciona como hospital militar único desde 2013 e após a muito contestada fusão dos hospitais de cada ramo das FA..Criar um conselho de administração, como "acontece nos hospitais civis e com competências de administração hospitalar" em vez do atual modelo de direção com um diretor, dois subdiretores (dos polos de Lisboa e Porto) e um diretor clínico, foi outra das propostas resultantes do estudo coordenado por Ana Jorge..Note-se que o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), num estudo recente, defendeu que a gestão do HFAR deveria ter uma "lógica mais empresarial"..Polémicas serão também as mudanças indicadas em matéria de recursos humanos, geridos pelos respetivos ramos - e que nestes anos foram condicionando a atividade do HFAR, dadas as necessidades operacionais invocadas para manter esses efetivos nas respetivas unidades..O ministro da Defesa pediu um novo modelo de gestão da carreira dos médicos militares (desde o recrutamento à sua gestão e retenção), centralizado no EMGFA - que passaria a ter "autoridade hierárquica, funcional e técnica" sobre as direções de saúde de cada ramo..Esses médicos militares devem desempenhar funções clínicas ao longo de toda a carreira e "independentemente do posto", sendo a sua distribuição entre as unidades militares e o HFAR feita em função do tempo de serviço e postos, advogou Gomes Cravinho..Assim, os médicos militares ficariam colocados nas bases e quartéis até ao posto de capitão/primeiro-tenente. Depois de promovidos a oficial superior (major), passariam a estar prioritariamente afetos ao HFAR, indicou Gomes Cravinho..Outro ponto importante neste capítulo: os médicos militares só podem iniciar a formação na especialidade - só possível em ambiente hospitalar - após três anos colocados nas unidades de saúde dos ramos..Fim dos cuidados continuados no Sistema de Saúde Militar.Outro ponto de forte contestação, nomeadamente entre muitas das altas patentes e outros militares já reformados, diz respeito aos cuidados continuados, registou o DN..Esses cuidados "não devem ser desenvolvidos" pelo Sistema de Saúde Militar (SSM), defendeu o ministro João Gomes Cravinho, propondo como alternativa "protocolar esses serviços com entidades especializadas"..Saber se as orientações agora dadas pelo ministro da Defesa são "adequadas, exequíveis e aceitáveis" foi uma das dúvidas transmitidas ao DN por uma alta patente, enquanto outro oficial general considerou "[existirem] inconsistências" nas propostas transmitidas pela tutela às chefias militares..Em matéria de infraestruturas, Gomes Cravinho requereu uma atualização dos conceitos relativos aos três tipos (I, II e III) de unidades de saúde militar e a apresentação de "uma matriz" que discrimine e descreva todas e cada uma dessas unidades..Isso terá de incluir as respetivas capacidades, recursos, estruturas, cobertura de apoio na área de implantação, vocação e público-alvo, precisaram as fontes..Alguns destes pressupostos suscitaram incredulidade junto de várias altas patentes, com um dos oficiais médicos a perguntar "quem será o público-alvo numa unidade de saúde militar" e se isso "[será um] mistério?".Permitir que os militares dos três ramos das Forças Armadas sejam atendidos em qualquer das unidades de saúde foi outra das medidas elencadas por Gomes Cravinho, admitiram algumas fontes, reconhecendo que a elaboração da referida matriz poderá levar ao encerramento de algumas das unidades de saúde existentes (nomeadamente no Exército) e ameaça os médicos militares que trabalham em estruturas civis..Criar "condições para uma gestão conjunta" das diferentes unidades de saúde militares será outro dos objetivos a atingir com a elaboração da referida matriz, com Gomes Cravinho a indicar que o Módulo de Formação e Simulação Biomédica para treino do pessoal de saúde - instalado no Centro de Saúde de Coimbra - deve ser "disponibilizado para os três ramos das Forças Armadas" (agora é do Exército)..Por outro lado, várias das fontes ouvidas pelo DN sentiram sair reforçada a sua convicção de que a tutela pretende continuar a transferir áreas clínicas para o setor privado - visível, segundo uma alta patente, na afirmação de que o HFAR não é uma estrutura tipicamente militar e tem características específicas..Esse é "o cerne da questão", argumentou essa alta patente há muito envolvida na reforma da saúde militar e na criação do HFAR, sabendo que a tutela sugeriu equacionar a celebração de protocolos - embora de "cuidados específicos" - com hospitais exteriores ao SSM..O futuro do polo do Porto do HFAR nos atuais moldes é outro ponto que parece em aberto, dada a realidade identificada pelo estudo de Ana Jorge: o ministro requereu um estudo sobre o "adequado dimensionamento" daquela unidade, tendo por referência o "reduzido número de atos médicos" e o seu "público-alvo", bem como a "dimensão e adequabilidade do edifício" onde está instalado..Esse ponto levou uma das altas patentes - assinalando que o edifício daquele polo constitui "uma boa oportunidade comercial" - a deixar novas interrogações e a perguntar se a Inspeção-Geral da Defesa Nacional alguma vez investigou o porquê desses pressupostos: "Poucos atos médicos praticados? Porquê? Existem lá médicos? Existe equipamento? Qual foi o investimento nos últimos sete anos" naquela unidade do Porto?