Covid-19. Estado prepara-se para o pior e reforça cofres de segurança em 40%
O nível de depósitos do Estado, dinheiro que serve de almofada de segurança caso alguma coisa não corra de feição na gestão das contas públicas ou surja algum imprevisto, esteve a cair durante os últimos três anos à medida que o País caminhava para o primeiro excedente da História em democracia.
Mas por causa da pandemia de covid-19 e da maior crise desde 1928 (diz o Banco de Portugal), o plano do governo agora é acumular outra vez e rapidamente mais dinheiro para manter os "cofres cheios", como dizia a antiga ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque (governo Passos Coelho, do PSD).
De acordo com a tutela do atual ministro das Finanças, João Leão, o Orçamento do Estado retificativo para 2020 (OE2020 suplementar) prevê um aumento de 40% no chamado "saldo de disponibilidades de Tesouraria no final do ano". No final de 2020, o Estado tem como meta uma verba de 9,5 mil milhões de euros nos cofres.
No primeiro ano do governo do PS, em 2016, o ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, decidiu reforçar a almofada até aos 10,2 mil milhões de euros, até porque na altura o Estado encontrava-se numa situação complicada motivada pela dispendiosa resolução do Banif, altamente danosa para as contas públicas, pela herança tóxica herdada da resolução do BES (e que continua em forma de empréstimos ao Fundo de Resolução) e porque era necessário preparar a mega injeção de capital na CGD (em 2017).
Em cima disto, o Estado ainda teve de continuar a capitalizar empresas públicas altamente deficitárias e a pagar os prejuízos decorrentes da nacionalização do BPN, legado que hoje também perdura exigindo centenas de milhões de euros anualmente aos contribuintes.
Com tantas exigências a acontecer e com a República a procurar ser premiada pelas agências de rating, com subidas na nota da dívida (que viriam a acontecer), uma das boas práticas foi manter os cofres cheios, ate para existir um efeito de segurança e dissuasor contra eventuais ataques de mercado e especulativos na dívida, apesar da proteção já existente do BCE.
Apesar das vicissitudes relacionadas com o setor financeiro, as Finanças foram ajudadas pela retoma da economia europeia e global e foram conseguindo reduzir o défice, recorrendo a uma gestão bem apertada das contas públicas (o uso das cativações é disso exemplo).
A descida do défice fez com que fosse menos necessário ir ao mercado buscar dinheiro para financiar o desequilíbrio das contas, pelo que o nível de depósitos (que é classificado como dívida) foi descendo com o desanuviar da situação orçamental. A redução no valor destes depósitos preventivos também contribuiu para fazer baixar o peso da dívida, claro.
Assim, depois de ter começado a legislatura (2016) com os referidos 10,2 mil milhões de euros, Centeno continuou a esvaziar os cofres, passando para 9,8 mil milhões em 2017, para 9,3 mil milhões em 2018, terminando o ano passado com apenas 6,8 mil milhões de euros na almofada. Representou uma quebra de quase 30% face a 2018. Os valores são da agência que gere a dívida pública portuguesa (IGCP).
Mas a situação mudou radicalmente com a pandemia e o governo resolver mais do que compensar, com o referido reforço de 40%. Além disso, para não pressionar ainda mais a tesouraria pública, o governo decidiu não acautelar verbas para fazer pagamentos antecipados aos credores oficiais que emprestaram dinheiro à República no âmbito do resgate da troika, como noticiou o Dinheiro Vivo na semana passada.
Fonte oficial das Finanças confirmou ao DN/Dinheiro Vivo que "de momento, não se antecipa a concretização de pagamentos antecipados aos credores europeus (MEEF e FEEF) no ano de 2020" e que "esta possibilidade é monitorizada regularmente, tendo em conta as condições de mercado e a situação de tesouraria do Estado".
Em 2020, o défice público vai reaparecer em força. Depois de ter terminado o ano passado com um excedente histórico de 404 milhões de euros, este ano, as Finanças preveem um défice de 12,6 mil milhões de euros, o equivalente a 6,3% do produto interno bruto (PIB).
O IGCP refere que o montante das necessidades de financiamento líquidas do Estado (o dinheiro que é necessário ir buscar aos mercados depois de pagar as dívidas do ano "situa-se agora em 20,3 mil milhões de euros, representando um aumento de 10,7 mil milhões de euros face à projeção inicial. Ou seja, é quase o dobro do que se previa no OE2020 original, apresentado em dezembro.
Em 2020, dizem as Finanças, "o aumento das necessidades de financiamento anuais no contexto da pandemia será essencialmente coberto pelo reforço das emissões brutas de obrigações do tesouro (OT) (29,3 mil milhões de euros, excluindo operações de troca que possam ser levadas a cabo) e de bilhetes do tesouro (BT) (resultando num aumento do saldo em 3,2 mil milhões de euros, face a 2019)".
A tutela de João Leão "antecipa ainda o lançamento de uma nova Obrigação do Tesouro Rendimento Variável (num montante de 1500 milhões de euros)". Já chamada dívida interna vai contribuir pouco para a tesouraria estatal, espera o governo. "Mantém-se a expectativa de um contributo limitado dos instrumentos de aforro (149 milhões de euros), tendo em conta o incremento das amortizações dos Certificados do Tesouro (CT) e Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM, com maturidade em 2020)".
Jornalista do Dinheiro Vivo