Cova da Moura quer reabrir casos de violência arquivados

Os 18 polícias acusados pelo MP foram interrogados pela PJ em fevereiro, já como arguidos, e recusaram-se a prestar declarações
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Vários moradores da Cova da Moura querem ver reabertos os processos arquivados em que denunciavam violência policial de agentes da PSP. Esta preocupação surge na sequência da acusação sem precedentes, conhecida esta semana, contra 18 elementos da esquadra de Alfragide pelos crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada, todos agravados pelo ódio e discriminação racial contra seis jovens daquele bairro, no concelho da Amadora.

A presidente da Associação Moinho da Juventude, presente do bairro há mais de 30 anos com vários projetos de apoio de integração social, disse ao DN que "estão a pensar na melhor forma, do ponto de vista jurídico, de fazer esse apelo à Procuradoria - Geral da República" (PGR). Isabel Monteiro diz serem conhecidas muitas situações de violência e agressões sem justificação contra moradores, principalmente os mais jovens, mas que "acabam sempre arquivadas porque nunca acreditam na versão da s vítimas".
Com a recente acusação, sublinha a dirigente do Moinho da Juventude, "abriu-se uma luz de esperança para todos e têm sido muitas as manifestações de interesse em que se faça agora também justiça no caso delas". Num testemunho publicado ontem no DN, a anterior presidente da associação, Godelieve Meersschaert, recordou alguns desses casos arquivados, um deles em 2016, com agressão "gratuita" a um morador na frente do filho de cinco anos.

O DN contactou a PGR e a diretora da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, Maria José Morgado, que tem jurisdição sobre o concelho da Amadora, para saber da possibilidade da reapreciação desses arquivamentos ou de uma inspeção aos processos, mas não recebeu resposta. De acordo com a legislação, um processo-crime arquivado só pode ser reaberto quando surgem novos elementos de prova.
De acordo com dados oficiais da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), nos últimos quatro anos foram analisadas cerca de 4000 queixas contra a atuação policial. Em 2015 - ano do último relatório de atividades publicado na página da internet deste organismo - foram recebidas 717 queixas e apenas resultaram na abertura de um processo de averiguações, dois disciplinares e oito inquéritos.

No caso dos incidentes na esquadra de Alfragide, em cinco de fevereiro de 2015, que resultaram na referida acusação contra os polícias, a IGAI acabou por arquivar todos os nove inquéritos que tinha aberto. De acordo com o processo da investigação, que o DN consultou, apesar de numa primeira fase da sua investigação os inspetores da IGAI terem detetado várias contradições nos depoimentos dos agentes, acabaram por absolvê-los.

Entre eles um agente que assumia a função de chefe nesse dia e que chegou, com base no inquérito da própria IGAI, a ser suspenso preventivamente. O MP acusou-o agora de falsificação de um auto de notícia, denúncia caluniosa, falsidade de testemunho, além dos crimes imputados a todos os outros agentes de sequestro agravado, ofensa à integridade física agravada e tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.

Direção da PSP informada

A data da proposta de arquivamento, por parte da IGAI, em fevereiro deste ano, acontece estando já na fase final a investigação da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ. De acordo com os registos que constam no processo, nesse mês os agentes e uma subcomissária foram todos notificados para serem interrogados na UNCT, já como arguidos. Nenhum deles quis prestar declarações à Judiciária, conforme consta dos autos de interrogatório da PJ.

Parte destas notificações, segundo ainda o registo no processo, foram dirigidas ao diretor nacional da PSP, superintendente-chefe Luís Farinha, e ao comandante do Comando Metropolitano de Lisboa, superintendente Jorge Maurício, tendo a hierarquia ficado a conhecer a situação dos agentes. A PSP decidiu, apesar disso, não tomar qualquer medida preventiva em relação aos agentes, estando parte deles ainda ao serviço naquela esquadra (os que saíram foi por motivo operacional).

Numa primeira reação à notícia da acusação, na passada terça-feira, a direção da PSP acabou por deixar implícita uma justificação para essa posição: "a PSP não deixa de salientar que a presunção de inocência se mantém até trânsito em julgado, sendo que em relação às referidas ocorrências foram acionados os meios disciplinares internos e da IGAI", escrevia no comunicado.

A Associação Moinho da Juventude vê com preocupação a presença dos agentes acusados, que continuam a patrulhar a zona. A direção decidiu, porém, não tomar medidas, "para já" : "Vamos aguardar pela justiça", afirma Isabel Monteiro.

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