Costa entalado entre o excedente orçamental (à esquerda) e a carga fiscal (à direita)

O OE2020 vai ser esta sexta-feira aprovado na generalidade mas na quinta-feira, primeiro dia do debate, António Costa quase só ouviu críticas, tanto à esquerda como à direita. Os motivos não podiam ser mais diferentes.
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À esquerda, o excedente orçamental foi o principal alvo das críticas de Bloco de Esquerda, PCP e PEV. Mesmo já ao cair do pano do debate, o deputado comunista Bruno Dias haveria de resumir assim a posição antagónica da esquerda com o Governo: "Quando faltam os autocarros e os comboios as pessoas não apanham o excedente orçamental para ir trabalhar."

Catarina Martins, líder do BE, diz mesmo que esta é a principal novidade do Orçamento do Estado para o próximo ano, "um recuo político explícito" no caminho que foi seguido na última legislatura, centrada no crescimento económico apoiado na devolução de rendimentos.

"Quando o governo aparece centrado no objetivo do défice e sem propor um outro horizonte compreensível para a sua estratégia orçamental, planta a dúvida legítima: terá a recuperação de rendimentos dos últimos quatro anos deixado também o PS sem programa?", atirou a coordenadora bloquista, que por mais de uma vez sublinhou que este orçamento começou mal, com a indisponibilidade do Governo negociar previamente o documento, antes de o apresentar na Assembleia da República. Costa - que diz que este é o melhor orçamento dos cinco que apresentou até agora - contrariou a líder bloquista, defendendo que o Executivo falou com os partidos previamente e que o documento reflete algumas das suas preocupações.

O Governo também se empenhou em justificar o excedente orçamental, com António Costa a afirmar, logo no discurso de abertura, que o Orçamento "não pode ignorar a necessidade de nos libertarmos, de modo sustentável, da elevada dívida pública que ainda temos", de forma a libertar recursos afetos ao serviço da dívida. "Uma poupança que nos permite reforçar o investimento nos serviços públicos e reduzir a nossa exposição ao risco de uma nova crise internacional", justificou o primeiro-ministro. Também José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, defendeu durante o debate que o saldo orçamental positivo "prepara Portugal para os imponderáveis da vida internacional", sendo que estes "se acentuam a cada dia que passa".

Pelo PCP, Jerónimo de Sousa apontou uma "travagem no ritmo dos avanços alcançados" nos últimos anos, em nome de um excedente orçamental que, para os comunistas, não tem outra razão que não a "submissão às imposições da União Europeia". A intervenção do secretário-geral do partido foi a única intervenção mais alargada do PCP no primeiro dia do debate na generalidade do OE 2020 (as restantes foram em formato de perguntas ao Governo), tendo sido o único partido que guardou o discurso de fundo para sexta-feira. O PEV apontou igualmente baterias à opção do Governo por um superavit, em vez de repor justiça nas remunerações dos trabalhadores públicos.

Também o PAN criticou o que chamou de "orçamento avestruz", que enterra a cabeça na areia face aos problemas do país. "Os seus principais credores são as pessoas ", advertiu a líder parlamentar do partido, Inês Sousa Real.

Já a deputada única do Livre, Joacine Katar-Moreira, defendeu que "este orçamento ilude e desilude imediatamente quando o aumento do salário mínimo nacional não dignifica os trabalhadores". Costa não se alongou muito na resposta, começando por sublinhar que o salário mínimo "não é fixado no Orçamento do Estado nem condiciona diretamente o orçamento".

PSD: 590 milhões que se "evaporaram"

No PSD, a principal - e primeira - intervenção coube ao líder do partido, Rui Rio - que no sábado irá a votos com Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz nas diretas que decidirão quem fica à frente do partido.

Rio começou por criticar fortemente o aumento da carga fiscal - 0,2% do PIB, face a 2019, ou seja, 434 milhões de euros - mas depois concentrou-se numa questão que tem vindo a referir desde o início: a suposta "evaporação" (a expressão é sua) de 590 milhões de euros de um dos quadros orçamentais para outro.

Dizendo mesmo que nesta matéria Mário Centeno "enganou" o primeiro-ministro, Rio questionou Costa sobre esta tal "evaporação". E não obteve nenhuma explicação. O chefe do Governo resumiu o problema a "minudências técnico-contabilísticas" e encarregou Centeno de, esta sexta-feira, dar explicações ao líder laranja.

Já o CDS voltou a caracterizar o OE2020 como uma peça de "propaganda" (Cecília Meireles, líder parlamentar), também sublinhando a questão da carga fiscal. Mais tarde Telmo Correia pôs o foco em supostos não investimentos do Governo tanto nas forças de segurança como nas Forças Armadas.

Sobre os militares, o deputado centrista disse mesmo que já não estão em condições de cumprir as suas obrigações internacionais, por falta de efetivos.

Na Iniciativa Liberal, a tónica foi também colocada na questão fiscal. João Cotrim Figueiredo recordou que o seu partido foi o primeiro a dizer que votaria contra e prometeu para a fase da especialidade propostas sobre IRS, IRC e de reforço das verbas da futura Entidade da Transparência, o organismo que vai controlar a riqueza dos políticos.

Às questões sobre a carga fiscal, António Costa foi respondendo sempre com o mesmo argumento, repetido vezes sem conta: a carga fiscal aumenta não pelos impostos, mas antes pelo aumento das contribuições sociais. E se estas aumentam é porque a economia cresceu e gerou mais receita. O chefe do Governo procurou mesmo passar a ideia de que atualmente os portugueses pagam menos IRS.

André Ventura (Chega), pelo seu lado, denunciou a "enorme gravidade" de o OE2020 mudar competências no Tribunal de Contas - mas desta vez já não disse que isso é uma "vergonha", acatando assim, aparentemente, os apelos que lhe foram feitos pelo presidente da AR. O mesmo deputado denunciou também que a suposta prioridade que o Governo dá ao combate à corrupção não tem tradução na proposta orçamental.

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