Costa ataca países "forretas" com gráfico em que mostra que são dos mais beneficiados pela UE
Os países "forretas", como lhes chama António Costa, estão entre os mais beneficiados pela existência da União Europeia e do seu mercado interno comum, que é alimentado pelo orçamento e pelos fundos europeus que esses países querem agora cortar, denunciou ontem o primeiro-ministro português.
Costa foi para o Conselho Europeu especial que começou esta quinta-feira munido de vários documentos, entre eles um gráfico com dados da Comissão Europeia, em que se mostra que todos os países da União beneficiam economicamente da existência de um mercado único europeu e que esse ganho ultrapassa largamente o valor das suas contribuições para o quadro financeiro plurianual.
Mas o gráfico na posse de António Costa, que neste Conselho ficou sentado mesmo à direita da poderosa chanceler da Alemanha, Angela Merkel, diz mais do que isso. Indica que os quatro países ditos "frugais" ou "forretas" - Áustria, Holanda, Dinamarca e Suécia, os mesmos que querem os cortes maiores na política da coesão (subsídios e apoios para desenvolver territórios menos desenvolvidos e construir infraestruturas) e na política agrícola - estão entre os que mais beneficiam per capita (por habitante e por ano) em termos líquidos da existência do mercado europeu. Muito mais do que Portugal ou de Espanha, por exemplo.
António Costa publicou mais tarde esse gráfico na sua conta do Twitter, tendo sido acompanhado minutos depois nesse manifesto pela comissária europeia para a Coesão, a portuguesa Elisa Ferreira. O primeiro-ministro declarou que "é importante partir de uma base sólida para o debate sobre o futuro orçamento da UE" e que essa base são os factos que estão no gráfico. "Quem contribui e quem beneficia mais do orçamento e do mercado interno?", questionou o chefe do governo português.
Elisa Ferreira reforçaria esta ideia defendendo que "as discussões sobre as contribuições dos países para o orçamento europeu 2021-2027 devem ter em conta os amplos benefícios dos países por serem membros da União Europeia".
Segundo o gráfico na posse de Costa, o país que mais ganha com a União Europeia é o Luxemburgo, onde cada habitante beneficia em 12 541 euros/ano da existência do mercado europeu. A Holanda, um dos "forretas", é o quarto mais abonado pelas vantagens económicas do mercado único, com quase cinco mil euros anuais por habitante. Em quinto e sexto surgem mais dois "frugais": Áustria e Dinamarca, com um benefício per capita na ordem dos quatro mil anuais. Em sétimo surge a Suécia, com cerca de três mil euros por habitante ao ano.
Portugal está no outro lado do ranking feito a partir de dados da Comissão. Cada português beneficia, em média, de 1500 euros por ano com a existência do mercado comum.
Os líderes europeus juntaram-se ontem a pedido do presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, para tentar desbloquear o impasse sobre quais devem ser as contribuições dos países para o orçamento plurianual de sete anos.
Este impasse já dura há quase dois anos e coloca em sério risco o arranque de novos projetos e atividades financiadas pela UE em 2021. O novo quadro devia entrar em vigor a 1 de janeiro do próximo ano e ainda nada está decidido. A guerra continua sem fim à vista.
Ontem, o ambiente ficou mais tenso e até sombrio. "Vão ser negociações duras e longas e, no final, para mim, o mais importante é defender um orçamento moderno, com novas prioridades", declarou aos jornalistas Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia.
Apesar do grupo dos 17 países "amigos da coesão" (Portugal incluído) ser a maioria dentro da UE a 27, a questão é que o novo quadro financeiro plurianual só pode ser aprovado no Conselho com unanimidade. Portanto, basta um país para encravar tudo.
E depois há o Parlamento Europeu (PE). Segundo David Sassoli, o presidente da instituição, "o Parlamento não vai aceitar um qualquer acordo" e acrescentou que "há uma maioria muito larga pronta a rejeitar qualquer proposta que não leve em conta as posições do Parlamento".
A guerra dos números começou com a presidência finlandesa, que no segundo semestre de 2019 avançou com uma proposta de orçamento (contribuições de todos os países) equivalente a 1% do rendimento nacional bruto (RNB) de 27 países, já sem o Reino Unido por causa do Brexit.
Esta chocou Portugal e outros países, pois implica uma redução significativa de recursos face ao 1% do RNB do quadro anterior (2014-2020), mas que tinha lá o Reino Unido. No caso de Portugal, o corte pode chegar a dois mil milhões de euros ou mais comparado com o quadro 2020.
A versão finlandesa dá, na prática, um orçamento de 1087 mil milhões de euros para o período 2021-2027, mais os três anos que perfazem o período de tolerância para executar as verbas deste quadro (até 2030).
E sem o Reino Unido, o orçamento europeu pode perder cerca de 60 mil milhões de euros ou mais em termos líquidos, referiram vários especialistas em Bruxelas ouvidos pelo Dinheiro Vivo.
A proposta de Charles Michel "contempla contribuições equivalentes a 1,074% do rendimento nacional bruto conjunto da UE, abaixo das pretensões de Portugal, do Parlamento Europeu e dos 17 Estados do grupo dos Amigos da Coesão", recorda o gabinete de António Costa.
Além disso, "continua a ser inferior à apresentada originalmente pela Comissão Europeia (que contemplava contribuições de 1,114% do RNB) e fica muito aquém do valor de 1,3% do RNB defendido pelo Parlamento Europeu, que tem a última palavra no processo negocial". A proposta portuguesa é de 1,16%.
O encontro começou nesta quinta-feira, mas deve estender pelo fim de semana. Citado pela Lusa, António Costa disse que "trouxe camisas para bastantes dias" e assegurou que tem "uma paciência infinita", incluindo para os "forretas", pelo que não será por causa de Portugal que não se chegará a um compromisso neste Conselho extraordinário, mesmo que leve dias.
"A minha paciência é infinita. Para todos. Eu tenho uma paciência infinita. Deve ser um dos benefícios da minha costela oriental", ironizou o primeiro-ministro.