Costa admite que governo nem sempre chegou a tempo e que há feridas por sarar

Na mensagem de Natal, António Costa pede foco no "esforço de recuperação" agora que o emprego recuperou "plenamente" e há um "crescimento robusto da economia", mas admite atrasos e "feridas" por sarar. Primeiro-ministro considera a vacina uma extraordinária vitória da ciência, mas alerta: "a guerra ainda não acabou"
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Toda a mensagem é sobre a pandemia, à semelhança da do ano passado, e tal como nessa altura, também agora António Costa admite que houve falhas. "Seguramente não conseguimos chegar sempre a tempo, nem sarámos ainda todas as feridas", reconhece o primeiro-ministro. A 25 de dezembro de 2020, foi mais contundente - estava o país a dias do trágico mês de janeiro: em média, quase 180 mortes por Covid-19 por dia; subida de 136% de internados e de 78% nos cuidados intensivos - quando admitiu que "certamente, não fizemos tudo bem e cometemos erros, porque só não erra quem não faz." Dias depois, Portugal entrava na "dramática vaga".

Um ano depois, o processo de vacinação começaria no dia 27 de dezembro, António Costa faz contas ao que já se fez - "desde então quase toda a população maior de 12 anos está vacinada, dois milhões e meio de pessoas já receberam a dose de reforço e iniciámos a vacinação das crianças dos 11 aos 5 anos" e sublinha, elogiando, o trabalho dos "profissionais de saúde [que] foram mais uma vez inexcedíveis - e, neste caso, muito em especial os enfermeiros - na notável operação de vacinação. Sei bem que posso falar em nome de todos os portugueses, sem exceção, dirigindo a todos os profissionais de saúde um muito, muito obrigado."

E este ano, tal como no ano passado, António Costa destaca nomes e exemplos. "Faz depois de amanhã um ano que se iniciou o processo de vacinação. O nosso primeiro vacinado, o Professor António Sarmento, médico veterano do Hospital de São João, deu-nos a todos o exemplo do que era necessário fazer. Foi um gesto da maior importância para reforçar a confiança e a motivação de todo o País." Na mensagem de 2020, escolheu a médica "Margarida Tavares, do Hospital de São João, que em março me explicava com brilho nos olhos e uma vontade inabalável os desafios imensos que eram colocados no tratamento de doentes infetados" e "a enfermeira Marisa Chaínho, do Serviço de Infeciologia dos Hospital Curry Cabral, que já não ia a casa há várias noites, mas punha de lado o cansaço enquanto relatava, com pormenor e carinho, a história pessoal de cada um dos primeiros doentes com Covid internados naquela unidade."

Na mensagem deste dia 25, o primeiro-ministro afirma que o emprego já recuperou "plenamente" e que há em Portugal um "crescimento robusto" da economia. A frase que surge quase no final da "mensagem de Natal" - "apesar do emprego já ter recuperado plenamente e de termos retomado um crescimento robusto, não podemos perder o foco no esforço nacional de recuperação" - é seguida de um "teria muito mais a dizer-vos. Mas neste período pré-eleitoral o Primeiro-Ministro tem um especial dever de ser contido. Por isso, concentro-me no que mais nos preocupa e a todos nos une, o combate à pandemia."

No "posto de comando", como escreveu e disse, António Costa relembra que a pandemia "tem tido um impacto brutal na nossa sociedade. No dia a dia da nossa vida, no processo formativo das nossas crianças e na solidão dos idosos, na prática do desporto amador ou de formação, em todo o setor da cultura, na atividade das empresas, no emprego, no rendimento das famílias" e que "as escolas, as entidades do setor solidário, as autarquias locais, o Estado e a União Europeia fizeram o possível - e até o que tantas vezes parecia impossível - para acorrer a todos nas diversas vicissitudes que enfrentaram", mas alerta que "a guerra ainda não acabou" apesar da vacina "ser a arma mais eficaz no combate à pandemia."

"Como sabemos, há milhões de seres humanos em todo o Mundo que ainda não tiveram acesso à vacina e, enquanto assim for, o vírus continuará ativo e persistirá o risco de se transformar em novas variantes. Por isso, é fundamental acelerar a vacinação à escala global e prosseguir o reforço vacinal em Portugal", considera.

António Costa usa até o seu exemplo pessoal para acentuar a necessidade de que é preciso"viver com todas as cautelas" em tempos de pandemia. "Bem sei, que nem sempre é fácil. Há um ano, eu próprio passei a minha noite de Natal em solidão, em isolamento profilático, longe da minha mulher, dos meus filhos, da minha mãe, ... de toda a minha família. Mas sei, todos sabemos, que, difícil, verdadeiramente difícil, é a dor de quem sofre a perda de um ente querido ou as provações de quem está doente, tantas vezes carecendo de internamento hospitalar."

E acrescenta: "São estas dores e estas provações que nenhum de nós quer sofrer e que todos desejamos que os que nos são mais queridos nunca sofram."

"O melhor presente que podemos oferecer a qualquer um dos nossos familiares e aos nossos amigos é proteger a sua saúde", sublinha.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o emprego (indicador corrigido da sazonalidade) já recuperou plenamente, ou seja, já regressou aos níveis pré-pandemia, mas isso não aconteceu agora. Desde maio passado que assim é.

Antes da pandemia, o emprego atingiu um máximo histórico em Portugal em setembro de 2019, muito à boleia da explosão do turismo e atividades relacionadas, por exemplo. Havia 4,771 milhões de postos de trabalho preenchidos nessa altura.

E mesmo nas vésperas da pandemia, o nível continuava muito elevado. Segundo o INE, estavam empregadas 4,762 milhões de pessoas em Portugal em janeiro de 2020.

Depois de um colapso enorme provocado pelas pesadas medidas de confinamento no início de 2020, o emprego viria a afundar para 4,573 milhões de pessoas, mas depois foi recuperando, muito apoiado nas medidas públicas que financiaram empresas para que estas não despedissem e mantivessem os postos de trabalho. Medidas como o lay-off simplificado ou o apoio à retoma.

Em maio desde ano, já com o país a sair da terceira e mais letal vaga da pandemia covid-19, o emprego venceria a tal meta: chega a 4,777 milhões de pessoas, ultrapassando o nível pré-pandemia. E depois disso reforçou. Atingiu um novo máximo histórico em setembro último, com 4,836 milhões de postos de trabalho.

No entanto, em outubro, os dados provisórios do INE indicam que pode ter havido uma primeira quebra mensal no volume de emprego, o que não acontecia desde janeiro de 2021, o pior mês desta pandemia. O emprego caiu para 4,822 milhões de casos, menos 14 mil postos de trabalho.

Quanto ao músculo da retoma, quando o primeiro-ministro diz que teremos já "retomado um crescimento robusto", aí as opiniões e as leituras dividem-se neste preciso momento, até por causa do agravamento da pandemia e das novas restrições à atividade e ao ajuntamento de pessoas.

O Banco de Portugal referiu, esta semana, que "num contexto de incerteza decorrente da atual evolução da pandemia, na semana terminada a 19 de dezembro, o indicador diário de atividade económica (DEI) aponta para uma redução da taxa de variação homóloga da atividade".

Aliás, essa travagem da economia começou logo no início de dezembro e o indicador do banco central (média móvel da semana que terminou no dia 19) diz que a economia, neste momento, pode estar estagnada, tendo já começado a dar sinais de quebra desde dia 9, mostra o BdP.

O otimismo de Costa terá mais a ver com a injeção de confiança dada recentemente pelo seu ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, que agora governa o Banco de Portugal, e pela OCDE, quando a 2022.

Em 2022, a economia portuguesa deve registar, segundo as novas previsões do Banco de Portugal (BdP) e do Banco Central Europeu (BCE), a maior convergência real com a zona euro desde que esta foi criada, em 1997/1998.

No novo boletim económico, o banco central de Centeno, ex-ministro das Finanças, deu um importante impulso de confiança relativamente à capacidade de Portugal sair da crise pandémica e, ato contínuo, superar em larga medida a retoma da zona euro.

A nova previsão do BdP para 2022 foi inclusivamente revista em alta, de 5,6% para 5,8%, contrariando a tendência projetada pelo BCE que cortou a retoma da área da moeda única de 4,6% para 4,2%.

Resultado: se estas previsões forem assim, Portugal vai crescer 1,6 pontos percentuais mais do que a média do euro no ano que vem. É preciso recuar até 1998 para encontrar um valor superior (1,8 pontos).

No entender do Banco de Portugal, a nova vaga da pandemia e os confinamentos que lhe estarão associados, mais as disrupções nos fornecimentos globais de mercadorias e matérias-primas primas, não vão ser suficientes para diminuir o ímpeto de retoma da economia portuguesa em 2022.

Haverá alguns percalços na atividade nos primeiros meses do ano que vem, mas depois, no segundo semestre, os problemas devem dissipar-se num ambiente globalmente "benigno", antecipa o banco central, que assim contraria o pessimismo da sua chefe no BCE, Christine Lagarde, que considera muito perigosa esta nova fase de fecho da economia contra a variante ómicron.

António Costa também elogia a ajuda que a confiança dos portugueses está a dar ao País e à retoma. Mas há um senão. A confiança esteve a recuperar este ano, é certo, mas o INE deixou recentemente um alerta.

"O indicador de confiança dos consumidores diminuiu em outubro e novembro, de forma significativa no último mês, após ter aumentado nos dois meses anteriores", avisa o instituto.

Além disso, o indicador de clima económico "diminuiu em novembro, tendo vindo a apresentar um comportamento irregular desde julho".

"Os indicadores de confiança diminuíram em novembro na Construção e Obras Públicas e no Comércio, de forma significativa no primeiro caso", mas "o indicador de confiança aumentou em novembro na Indústria Transformadora, contrariando a diminuição observada no mês anterior, e nos Serviços, prolongando o movimento do mês anterior".

Portanto, há incertezas a formarem-se e não são poucas.

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