Coreia do Sul: mais ritmo 'Gangnam Style' e menos tambores de guerra

A fronteira mais perigosa do mundo fica só a 50 quilómetros de Seul, mas se a ameaça nuclear norte-coreana é levada a sério pelo governo, a população procura aproveitar ao máximo o milagre que tornou o seu país a 13.ª potência económica mundial, país da Samsung, LG e Hyundai...e também de Psy
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Sob o olhar do almirante Yi Sun-Sin, as crianças aproveitam os jatos de água na praça Gwangwamun. Seul partilha com Lisboa a latitude, e o tempo quente já chegou. Uma mãe ralha com um miúdo que se molhou em demasia, uma avó tem de arrastar a neta para casa. De certeza que muitos dos que brincam em torno da estátua do herói da Coreia, que com 12 navios derrotou uma armada japonesa de 400, se chamam Kim. Diz-se que 20% dos 50 milhões de sul-coreanos usam esse apelido. "Dez milhões de Kim", tinha já alertado um jornalista que vai na nona visita às duas Coreias. Talvez por isso não assuste que a Coreia do Norte vá na terceira geração de líderes Kim, com Kim Jong-un no poder desde 2011. Do ponto de vista sul-coreano, Kim nunca soa aterrorizador, mesmo que o arsenal nuclear o torne mais forte do que o pai e sobretudo o avô, esse Kim Il-sung que em 1950 tentou a reunificação pela força.

"Quatro em cada dez sul-coreanos dizem que a reunificação com o Norte deve estar no topo da agenda política, mas 70% dizem também que não é preciso pressa", sublinha Taewon Ha, editor do 'Dong-a Ilbo'. "Os jovens são menos entusiastas. Não têm memória dos tempos em que havia uma só Coreia e apreciam a prosperidade e receiam os custos da reunificação", acrescenta.

Nuri, que ambiciona ser hospedeira de bordo, quase diz o mesmo: "Devemos ajudar o Norte. Mas acho que reunificação é uma palavra bonita que os políticos usam para ganhar votos", comenta, sentada num Starbucks perto do novo edifício envidraçado que alberga a câmara municipal (o prédio da era colonial japonesa é agora biblioteca). Finda a conversa, a universitária coloca os auriculares. Do smartphone LG sairá som de uma banda de K-Pop, talvez Girl Generation ou BigBang. "Psy é que não", repetem vários jovens, irritados por os estrangeiros falarem sempre de 'Gangnam Style'. Mas a verdade é que são mais de dois mil milhões de visualizações no Youtube.

É fácil de encontrar no mapa de Seul esse Gangnam, bairro na margem sul do rio Han. E basta sair na estação de metro de Apgujeong para perceber de que estilo fala Psy. Luxo, desde a loja Hermes, às galerias Lotte, passando pelo COEX, o maior centro comercial subterrâneo da Ásia. Aqui não se pensa no Paralelo 38, que divide a Coreia há 70 anos; nem na Guerra de 1950-1953 que trouxe os americanos para rechaçarem a invasão comunista; nem na tensão na DMZ, a fronteira mais perigosa do mundo, nem que seja por o Norte ter um milhão de homens em armas e o Sul 600 mil. Em Gangnam, o que se celebra é o sucesso sul-coreano, "um país que há meio século era mais pobre do que algumas nações africanas e hoje é uma potência económica", salienta Andrew Salmon, inglês casado com uma coreana e que escreve para a 'Forbes'.

Salmon critica aquilo que chama de "mantra oficial" sobre a reunificação: que a paz poupará milhões em gastos militares, que com 75 milhões a nova Coreia beneficiará da economia de escala, que o ferro do Norte será um maná, que haverá ligação por terra à Eurásia. "Sim, a médio prazo será um jackpot para a economia, mas no imediato é arriscada. Fala-se de 50 mil milhões de dólares para garantir algum êxito", alerta o jornalista, que escreveu 'Modern Korea - All That Matters', iniciação à história de um país que entalado entre a China e o Japão preservou a identidade e por isso celebra o almirante que no século XVI repeliu os japoneses (no início do século XX, a dinastia Joseon teria menos sorte).

Diz Salmon que na Coreia do Norte o regime tolera cada vez mais os mercados. E que a retórica belicista tem de ser censurada mas sem se cortar a cooperação económica. "Teremos um dia um Kim Xiaoping?", pergunta, aludindo ao líder que abriu a China e criou o atual milagre chinês. Ora, o milagre sul-coreano é mais completo. Proclamada em 1948, a República da Coreia resistiu à guerra com o Norte comunista e os chineses, mas no final da década de 1950 continuava mais pobre do que a outra Coreia. Foi então que um general assumiu os destinos do país. Park Chung-hee conseguiu que entre 1962 e 1979 a Coreia do Sul desse um salto. A aliança com os 'Chaebol', como a Samsung ("Três estrelas") e a Hyundai ("Modernidade"), acentuou a exportação. Rodeado de tecnocratas, Park teve decisões ousadas como usar o dinheiro das compensações japonesas para construir a autoestrada de Seul a Busan numa época em que não havia carros na Coreia do Sul. A seguir a Hyundai fez o seu papel e hoje essa via não só é vital (apesar do TGV) como ao longo dela, com destaque para a região de Daegu, se fixaram as fábricas desses smartphones que dão fama à Samsung, apesar de o 'Chaebol' até fazer navios.

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