Coragem luso-timorense 

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Portugal manteve-se neutro na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas isso não significa que muitos portugueses não tenham combatido, e em regra pelos Aliados, aqueles mesmos a quem, já perto do final do conflito, seria cedida uma base nos Açores, sinal de que a diplomacia de Salazar, embora hesitante, sempre soube quais os vencedores que convinham ao nosso país.

Recordo-me de visitar San Diego e como a comunidade portuguesa se orgulha até hoje do empréstimo dos seus barcos de pesca do atum à Marinha dos Estados Unidos para no Pacífico fazerem ações de patrulha da costa, de abastecimento e em alguns casos até de deteção de minas. Quando, após o ataque japonês a Pearl Harbor, em 1941, as autoridades pediram voluntários para tripular esses atuneiros, centenas apresentaram-se de imediato, a grande maioria portugueses e luso-descendentes da cidade do Sul da Califórnia. Na outra costa, a Atlântica, foram também muitos os luso-americanos chamados a integrar as divisões que, a partir da Grã-Bretanha, iriam desembarcar em 1944 na França ocupada, onde 500 portugueses estavam a lutar na resistência aos alemães, segundo um trabalho de investigação do jornalista José Manuel Barata-Feyo que resultou no livro A Sombra dos Heróis - A História Desconhecida dos Resistentes Portugueses Que Lutaram contra o Nazismo.

Esta semana estreia na RTP Abandonados, uma série documental que tenta reproduzir um outro teatro de batalha em que os portugueses entraram em combate durante a Segunda Guerra Mundial - Timor-Leste, a mais remota colónia do império.

Apesar da neutralidade portuguesa, os japoneses aproveitaram a presença de tropas holandesas (vindas da atual Indonésia) e australianas como pretexto para desembarcar no território em finais de 1941. Salazar evitou declarar guerra ao Japão, pois isso significava provavelmente também entrar em conflito com uma Alemanha que nunca deixou de pensar em chamar Espanha de Franco para o seu lado e assim controlar a Península Ibérica. Com o governador português a ter de coexistir, com suposta normalidade, com o comandante das tropas japonesas, houve, porém, portugueses e timorenses que se refugiaram nas montanhas da ilha e combateram os ocupantes, apoiando os soldados australianos. Depois de as bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui terem obrigado o Japão à rendição, em agosto de 1945 (a Alemanha rendera-se já em maio), os chefes militares japoneses entregaram as armas, duplamente, ao governador Ferreira de Carvalho e aos militares australianos.

As Índias Orientais Holandesas depressa se tornaram independentes, como Indonésia, assim que acabou a guerra, mas Timor-Leste manteve-se sob soberania portuguesa. Passados quase 80 anos - e com a invasão indonésia em 1975 e finalmente independência timorense em 2002 -, Timor-Leste, que visitei faz agora um ano, é uma pequena nação consciente da sua individualidade no contexto regional, agradecida a Portugal pelo apoio para contrariar a tentativa de integração na Indonésia. Na memória de muitos está também essa época - que o documentário realizado por Francisco Manso mostra - em que a coragem subiu à montanha, juntando gente ida de Portugal, alguns como exilados políticos, e gente nascida na terra.

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