O mínimo que se pode dizer da 28ª edição do Curtas Vila do Conde (3-11 outubro) é que conseguiu resistir às inevitáveis limitações impostas pela conjuntura de pandemia, encontrando um bom equilíbrio entre as sessões com público e a presença online (através de assinaturas VOD). Com a rigorosa reconversão da distribuição dos espectadores (50% da lotação das duas salas do Teatro Municipal), houve várias sessões "esgotadas", sobretudo à noite, a provar que, na idade das plataformas de streaming, o gosto do grande ecrã se mantém. Sem esquecer que os títulos da Competição Nacional tiveram difusão paralela em salas de Lisboa, Porto e Faro..Para a história, registem-se os principais vencedores: The Unseen River (Vietname/Laos), de Pham Ngoc Lân, recebeu o Grande Prémio da Competição Internacional, com Noite Turva, de Diogo Salgado, a ser escolhido como o melhor dos participantes portugueses. Os prémios do público nas mesmas secções foram, respetivamente, para Physique de la Tristesse (Canadá), de Theodore Ushev, e O Nosso Reino, de Luís Costa [palmarés integral no final deste texto]..Das revelações dos últimos dias do certame, vale a pena destacar duas singulares presenças portuguesas. A primeira envolveu mesmo um cineasta, Rodrigo Areias, com presença regular em Vila do Conde (também como produtor) - venceu, aliás, a Competição Nacional em 2008 com o filme Corrente..Desta vez, o seu trabalho surgiu na secção (não competitiva) "Da curta à longa" que, como a designação indica, dá a ver obras de realizadores cuja trajetória, iniciada nos formatos mais curtos, evoluiu para a longa-metragem. Com o título Vencidos da Vida (utilização irónica e amarga da expressão de Eça de Queiroz para designar a chamada Geração de 70, nas décadas finais do século XIX), Rodrigo Areias elabora uma espécie de bloco-notas muito pessoal, reunindo imagens provenientes dos seus próprios filmes, incluindo Corrente, Cinema (2014) e Pixel Frio (2018). De tal modo que, mesmo para o espectador que não conheça esses filmes anteriores, Vencidos da Vida consegue definir um roteiro de ficções que se ligam como capítulos cúmplices de uma visão do mundo em que a observação realista de personagens e lugares se enreda sempre com uma promessa de transcendência, por vezes à beira do fantástico - sem esquecer que tudo isso é indissociável do enraizamento, pessoal e cultural, de Rodrigo Areias nos cenários de Guimarães, sua cidade natal..Entretanto, na secção "Take One!", vocacionada para a apresentação de trabalhos de alunos das escolas de cinema (de Portugal e de todo o mundo), foi possível descobrir um objeto tão enigmático quanto fascinante. Chama-se Corte, dura um pouco menos de meia hora, e foi escrito e realizado por Afonso Rapazote e Bernardo Rapazote, gémeos que se "duplicam" no ecrã como gémeos de uma corte (fictícia, em finais do século XVIII) abalada pelo assassinato do príncipe herdeiro..Filme insólito e desconcertante, a suscitar revisões que podem transfigurar a relação do espectador com a sua peculiar dramaturgia, talvez possamos definir Corte como um bizarro cruzamento: há nele a dimensão de crónica histórica sobre as relações de poder, sem que isso anule (antes pelo contrário) a sensação trágica, sempre à beira da comédia, de estarmos a assistir a uma farsa em que nenhum gesto é inocente. Talvez possamos mesmo dizer que estamos perante um perverso retrato da arte de fazer política, arte que vai desgastando relações, alimentando formas de solidão individual [video: trailer]; além do mais, este é um daqueles filmes que merece "dar o salto" do território específico de um festival para circuitos mais alargados..YouTubeyoutubesmed4f19lZc.COMPETIÇÃO INTERNACIONAL.GRANDE PRÉMIO: The Unseen River, de Pham Ngoc Lân (Vietname/Laos).ANIMAÇÃO: Elo, de Alexandra Ramires (Portugal/França).DOCUMENTÁRIO: Hidden, de Jafar Panahi (França/Irão).FICÇÃO: Dustin, Naïla Guiguet (França).PREMIO DO PÚBLICO: Physique de la Tristesse, de Theodore Ushev (Canadá).COMPETIÇÃO NACIONAL.MELHOR FILME: Noite Turva, de Diogo Salgado.PRÉMIO DE REALIZAÇÃO: Armour, de Sandro Aguilar.PRÉMIO DO PÚBLICO: O Nosso Reino, Luís Costa.CANDIDATO AOS PRÉMIOS EUROPEUS DE CINEMA: Nha Mila, de Denise Fernandes".COMPETIÇÃO TAKE ONE! .MELHOR FILME: I Don"t Like 5PM, de Francisco Dias.MENÇÃO HONROSA: Corte, Afonso Rapazote, Bernardo Rapazote.MELHOR REALIZAÇÃO: Cores de Outono, de Lucas Tavares.COMPETIÇÃO VÍDEOS MUSICAIS .MELHOR FILME: Batida Apresenta: Ikoqwe - Vaivai, de Pedro Coquenão, Manuel Lino.COMPETIÇÃO EXPERIMENTAL.MELHOR FILME: South, de Morgan Quaintance (Reino Unido).COMPETIÇÃO CURTINHAS .MELHOR FILME: To: Gerard, de Taylor Meacham (EUA).MENÇÃO HONROSA M/3: Black & White, de Jesús Pérez, Gerd Gockell (Suíça/Alemanha).MENÇÃO HONROSA M/6: Tobi and the Turbobus, de Verena Fels, Marc Angele (Alemanha).MENÇÃO HONROSA M/10: Luce & Me, de Isabella Salvetti (Itália).MY GENERATION .MELHOR FILME: I, Julia, de Arvin Kananian (Suécia)