COP meio cheio, COP meio vazio?

Publicado a
Atualizado a

Na semana que mediou entre o fim da COP26 e a escrita deste artigo, a Twitteresfera e o "comentariado" dividiu-se sobre como considerar os seus resultados. A maioria do comentário jornalístico seguiu aqueles, como o Greenpeace e a Greta Thunberg, que apontam sobretudo o facto de os Governos não conseguirem, com os seus novos compromissos, garantir uma trajetória com vista ao objetivo global de 1,5ºC.

Permitam-me que discorde desta visão, segundo a qual cada COP que passa é "a última oportunidade disponível", a "hora das decisões", etc... Desde Copenhaga, em 2009, que deveríamos ter percebido que o sistema internacional, para o mal e para o bem, não permite o estabelecimento de metas quantificadas, definidas de cima para baixo, com um sistema de cumprimento ("sanções") pesadas. Já o tentámos, com o Protocolo de Quioto. E o Protocolo de Quioto falhou.

Qual é então o núcleo do Acordo de Paris? A ideia de que, coletivamente, e através do "name and shame" mas também de colaborações e partilhas de práticas, os países podem ser incentivados a aumentar as suas ambições, por forma a que se consiga, de uma forma não impositiva, chegar ao objetivo global. Que provas há de que este sistema de Paris, velho de cinco anos, pode funcionar? O gráfico, tirado de uma publicação pós-COP do "think tank" Climate Action Tracker, demonstra em pleno como o sistema funciona:

O gráfico demonstra claramente que as promessas feitas não conseguiram ainda fechar abaixo dos 2ºC. Mas o progresso é indesmentível: antes de Paris estávamos em linha para um aumento de temperatura de 4ºC; hoje estamos entre 1,8ºC e 2,9ºC, com um cenário central de 2,4ºC. Insuficiente? Certamente. Daí o sistema mais uma vez provar ser mais resiliente: a COP26 decidiu acelerar a consideração de novos compromissos, de 2026 para 2022.

Não foi só nestes temas que a COP avançou: nos temas da transparência - os processos pelos quais os países serão chamados a reportar informação sobre o cumprimento das suas promessas, - e nos mercados de carbono, onde após cinco anos de intensas e difíceis negociações, foi possível chegar a uma solução robusta para a contabilização e infraestrutura destes mercados, os progressos são evidentes.

Uma vez fechado este ciclo, contudo, não restam dúvidas de que a nova batalha negocial dos próximos anos e a mais crítica do ponto de vista ético, será o das compensações aos países mais pobres pelos impactes já sentidos atualmente pelas alterações climáticas. Questões difíceis, mas incontornáveis: a atribuição de responsabilidades históricas, a alocação do dever de contribuir.

Nas últimas horas da COP26, assistiu-se finalmente a algo sem precedente. Apoiada na pressão pública das ONG e de algumas delegações, a Presidência britânica arriscou na incorporação do texto de linguagem sem precedentes. Nunca em 26 anos a COP26 se pronunciou sobre o fim dos combustíveis fósseis e a eliminação dos seus subsídios. Pressionados contra a parede e em público, Alok Sharma, o Presidente, aceitou que a Índia lesse em público a sua linguagem menos ambiciosa (de "phaseout" para "phase down") recebendo em troca as expressões de desapontamento dos seus próprios colegas do G-77. O relevante, contudo, é que como afirmou imediatamente a Greenpeace, mesmo esta linguagem menos ambiciosa não pode ser considerada senão como um "rebate a sinos" dos combustíveis fósseis.

A prova de que a COP funcionou: o preço do carbono na Europa atingiu um novo recorde: €67.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt