Coopérnico. Dos painéis solares em casa da madrasta aos prémios Gulbenkian

As distinções são entregues esta sexta-feira, às 18.30, no Grande Auditório, pelo Presidente da República. A organização internacional Article 19 recebe 100 000 euros, enquanto os três projetos nacionais premiados recebem 50 000 euros cada
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Depois de alguns anos a viver no estrangeiro, o português Nuno Brito Jorge regressou ao país com vontade de investir. Mas não queria fazê-lo de uma forma banal. "Queria usar o dinheiro para alguma coisa boa". Inspirado nas ideias que trazia dos anos de trabalho no Parlamento Europeu, o engenheiro do ambiente juntou-se a alguns familiares e amigos, e decidiram montar uma central de energia solar na casa de turismo rural da madrasta, em Tavira. E não tardou até perceberem que "o modelo fazia sentido".

Foi assim que em 2013 nasceu a Coopérnico, a primeira cooperativa de energias renováveis do país, que conta atualmente com 1040 membros, mais de 800 000 euros de investimento e 576 contratos de eletricidade. Tem 14 projetos a funcionar, através de acordos com Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e cooperativas, às quais aluga telhados para instalar painéis solares. Posteriormente, vende a energia e, quando o projeto termina, oferece-lhes o equipamento.

A proposta parece simples: "Qualquer pessoa pode ser dona da sua própria empresa de eletricidade, que só produz energia verde, sem fins lucrativos e gerida de forma democrática".

Uma ideia "inovadora" e de "grande relevância" na área das energias renováveis, considera a Fundação Calouste Gulbenkian, que resolveu atribui-lhe o Prémio Gulbenkian Sustentabilidade, no valor de 50 mil euros. "A sua gestão democrática e sem fins lucrativos nas áreas da produção, comercialização e eficiência energética mereceu o aplauso do júri, que destacou também o facto de se tratar de um modelo que pode ser replicado em Portugal", destacou, em comunicado.

Este prémio, diz Nuno Brito, é "uma excelente notícia e um orgulho". Além disso, "ocorre num momento muito especial". Por um lado, destaca o mentor, "não só dá força para fazer mais, como é um reconhecimento e quase um carimbo de qualidade". Por outro, "tem muito simbolismo, porque ocorre no ano em que a Gulbenkian se comprometeu a desinvestir nos combustíveis fósseis".

Do ponto de vista financeiro, os 50 000 euros vão ter "um impacto muito significativo na atividade" da Coopérnico. Há cerca de um ano no negócio da comercialização de energia, a cooperativa ainda não consegue "fornecer e faturar ao cliente final", pelo que conta, ainda, com intermediários. O grande salto será tornar-se independente na comercialização. "Temos de prestar garantias à EDP e à REN". Uma nova diretiva determinou que o valor em causa passasse dos 100 para os 200 000 euros. "Caiu como uma bomba, mas este prémio é um bom amortecedor".

Quem tem contratos com a Coopérnico usufrui, segundo o engenheiro do ambiente, de "um dos preços de eletricidade mais baixos dos mercado" - embora esse não seja um desígnio da cooperativa. Mas existem vários outros motivos pelos quais as pessoas se associam, como a defesa da democratização do setor, uma alternativa amiga do ambiente ou uma oportunidade de negócio.

Casas para sem abrigo

Na área da coesão, o júri escolheu o projeto É uma Casa, Lisboa Housing First, desenvolvido pela associação "Crescer na Maior", que dá resposta ao problema dos sem-abrigo na cidade de Lisboa.

Américo Nave, diretor executivo da associação, explica que o projeto "consiste em ir ao encontro de pessoas que estão em situação de sem-abrigo há muitos anos" e contraria o "mito" de que muitas dessas pessoas não querem sair da rua.

Após a atribuição de uma casa alugada pela associação, a pessoa é acompanhada por técnicos especializados, como psicólogos e assistentes sociais. É encaminhada para um centro de saúde e para tratar dos documentos, bem como ajudada a obter algum tipo de rendimento. "Quase 90% não voltam à condição de sem-abrigo", salienta o responsável.

O projeto começou na Mouraria, em 2013, e foi entretanto alargado a toda a cidade de Lisboa. Desde o início, foram integradas 46 pessoas, sendo que 34 ainda se encontram alojadas nas casas providenciadas pela "Crescer na Maior". "Não há limite de tempo. Ficam até ganharem autonomia, se isso for possível".

Esta é, refere Américo Nave, uma alternativa aos centros de acolhimento, onde nem sempre existe uma boa adesão. Tem como principal financiador a Câmara Municipal de Lisboa, mas também recebe apoios da Fundação Montepio e PT, bem como de outros agentes da sociedade civil.

Quando conseguem obter algum tipo de rendimento, as pessoas comparticipam o projeto com 30% do valor que recebem. Mas os apoios não chegam para os gastos, pelo que o prémio de 50 000 euros da Fundação Calouste Gulbenkian "são muito importantes" para o projeto.

Ainda não foi definido como será aplicado o prémio, mas o diretor da associação diz que uma das hipóteses é ser investido na área do emprego. "Há um estigma muito grande associado a estas pessoas. E não há currículo".

Espaço do tempo

No campo do conhecimento, o júri decidiu distinguir o Espaço do Tempo, estabelecido num antigo convento em Montemor-o-Novo desde 2000, e uma referência no campo das artes performativas. Realçou "o impacto indiscutível" do trabalho que tem vindo a desenvolver e sublinhou a "forte ligação à comunidade local, nomeadamente às escolas".

A associação é dirigida pelo bailarino e coreógrafo Rui Horta e promove residências artísticas nas áreas do teatro, dança, performance, música e artes visuais, com especial enfoque na criação contemporânea emergente.

100 mil euros para a Article 19

O Prémio Calouste Gulbenkian 2018, no valor de 100 000 euros, será entregue à Article 19, "uma Organização Não Governamental que desenvolve, há mais de três décadas, uma acesa luta contra a censura e apoia vozes dissidentes um pouco por todo o mundo". Com escritórios em países como o México, Brasil, Tunísia, Senegal, Quénia, Bangladesh, Reino Unido e Estados Unidos, conta a Fundação, "a Article 19 dá proteção a ativistas individuais e a jornalistas no terreno e colabora com organizações como as Nações Unidas, a União Africana, União Europeia, Conselho da Europa e Organização dos Estados Americanos, entre outras".

Em comunicado, a Gulbenkian explica que os membros da associação "defendem uma liberdade de expressão total, estendida a áreas estratégicas como o espaço cívico, media, digital, proteção e transparência".

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