Lisboa. Contrabando de chifres de rinoceronte em tribunal
Quando os dois homens australianos, pai e filho, foram detidos no aeroporto de Lisboa com seis chifres de rinoceronte que valiam 415 mil euros, as autoridades portuguesas acreditavam que estavam relacionados com o furto que ocorrera no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Neste espaço, foram furtados em abril de 2011 dois chifres de rinoceronte. Contudo, a avaliação posterior veio a confirmar que nenhum daqueles seis chifres eram os que estavam depositados no museu de Coimbra. Os dois australianos estão acusados pelo Ministério Público da prática de crimes de contrabando qualificado e dano contra a natureza e o julgamento, após vários adiamentos, inicia-se terça-feira, dia 21, muito provavelmente sem a presença dos arguidos
Quando foram libertados, Leigh e Jackson Pritchard saíram do país e, mais tarde, foi difícil notificá-los da acusação. Através de uma carta rogatória, foi possível a notificação de um deles na Austrália. O julgamento deste arguido deve iniciar-se, enquanto no caso do que está por notificar deve haver separação do processo.
A sua detenção no aeroporto ocorreu após a investigação policial ao furto em Coimbra em que a PJ conseguiu ter uma série de pistas sobre grupos de estrangeiros que visitavam Portugal como objetivo de adquirir, ou obter por outros meios, chifres de rinoceronte. O alvo principal era um grupo de irlandeses, já identificado pela Europol, mas a investigação levou a polícia até estes dois australianos, intermediários no negócio e com lojas estabelecidas na China. Vão responder em tribunal coletivo, em Lisboa, pelos crimes de contrabando qualificado e dano contra a natureza relacionada com a posse de seis chifres de rinoceronte, avaliados em 415 mil euros. Transportavam os chifres sem certificados, no dia 2 de setembro de 2011, quando se preparavam para embarcar com destino a Paris.
A acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), deduzida em 2015, diz que "os seis chifres de rinoceronte que os dois arguidos transportavam consigo constituem espécimes da família de Rhinocerotidae e, como tal, constituem espécimes incluídos no Anexo I da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, sendo espécies em vias de extinção, de detenção e comércio proibidos".
A Universidade de Coimbra constituiu-se assistente no processo desde o início, o que se mantém. Apesar de não serem os chifres que desapareceram do museu, a instituição decidiu manter-se no processo na expectativa, ténue, que surjam informações que possam ser úteis.
O assalto no galeria de zoologia do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra aconteceu em 20 de abril de 2011. Mas duas semanas antes, a 5 de abril, três homens surgiram e pediram para visitar. Apesar de isso só acontecer com marcação, aproveitaram uma visita que ia acontecer nessa manhã para entrarem, autorizados, no espaço. A referida marcação acabou cancelada mas a funcionária acedeu em mostrar as sete salas do museu aos três visitantes, que falavam língua inglesa. Numa das divisões, entre outros exemplares raros de taxidermia, estavam várias peças em marfim, como dentes de hipopótamo e de elefante e chifres de rinoceronte. O trio abandonou o espaço sem que nada de anormal se registasse.
O crime terá ocorrido 15 dias depois. Quando uma porta do museu foi detetada aberta e verificou-se que a fechadura tinha sido forçada, temeu-se logo um furto. Após uma rápida vistoria ao museu, confirmou-se o crime: tinham desaparecido os dois chifres de rinoceronte, datados do século XVIII. A PJ foi chamada e da análise da imagens de videovigilância foi possível ver que dois homens, com bonés, retiraram os dois chifres de marfim e enrolaram-nos em casacos. Em dez minutos, saíram e não mais foram vistos. Mas um deles fez uma ligação por telemóvel o que permitiu à PJ identificar o destinatário, um número de telefone irlandês.
A investigação prosseguiu com a ajuda da Europol, polícia já atenta ao comércio de marfim, e Portugal conseguiu mesmo a extradição do cidadão irlandês. Um antiquário português foi também arguido. Contudo, não foi possível acusá-los por falta de provas.
O irlandês seria membro de um grupo criminoso internacional que se dedica ao contrabando de chifres de rinoceronte e outras peças raras. Visitavam Portugal, entre outros locais, para procurar deitar a mão a chifres, seja adquirindo no mercado negro ou roubando. Os museus, mas também espaços particulares, são alvos privilegiados.
O destino é sempre a Ásia, sobretudo a China ou o Vietname, onde estes chifres são muito valiosos. São considerados afrodisíacos e terapêutico e, diz a Europol, um chifre de rinoceronte pode valer entre 25 mil euros e 200 mil euros, dependendo do peso.
O tráfico internacional prossegue e há mesmo novas formas de fazer passar os chifres pelas controlos das autoridades. A maioria vem de África e os traficantes já transformam os chifres em joias, como braceletes, para escaparem à atenção nas alfândegas. Na África do Sul foram descobertas oficinas que preparavam os chifres desta forma para viajar. Recentemente, dois moçambicanos, pai e filho, foram detidos na África do Sul por suspeitas de contrabando. A 18 de abril foram detetados na posse ilegal de chifres de rinoceronte quando viajavam em direção a Joanesburgo.