Contra-ataque ucraniano no sul corta linhas de apoio aos russos
O continuado ataque a pontes, pontões e barcaças no rio Dniepre, por um lado, e a paióis, bases e outras instalações militares russas, por outro, levou a que ao segundo dia de uma campanha das forças ucranianas para retomar a região de Kherson, no sul do país, Kiev afirme ter cortado as linhas de apoio logístico do exército invasor. Horas antes, o presidente ucraniano disse que era a altura para os soldados russos fugirem. "Os ocupantes devem saber que vamos persegui-los até à fronteira." Um conselheiro de Volodymyr Zelensky, porém, pôs água na fervura ao dizer que "o processo não será muito rápido".
Os soldados russos na margem ocidental do Dniepre - analistas militares estimam entre 20 mil e 25 mil -, que formavam três linhas defensivas, estarão agora à mercê da artilharia ucraniana, uma vez cortadas as linhas logísticas, segundo afirma a porta-voz das Forças Armadas e vários vídeos nas redes sociais testemunham. Segundo o comando sul, até ao início da tarde de terça-feira tinham sido atacados 13 alvos militares russos em Kherson, cidade incluída.
Há relatos de que a Rússia enviou comboios com equipamento militar da Crimeia, embora estes possam ser alvo da artilharia ucraniana, graças ao armamento de precisão e de longa distância fornecido pelos Estados Unidos, em especial o HIMARS. Segundo um funcionário da administração Biden em declarações à CNN, "os EUA satisfizeram os pedidos de Kiev, que foram concebidos em parte para abastecer a contraofensiva em curso".
A ofensiva ucraniana não se limita aos militares que estarão a atacar em sete frentes. A rede da resistência ucraniana Rukh Oporu, como a AFP testemunhou nas margens do rio Dniepre, tem um papel crucial ao recolher informações de movimentos e da localização de tropas e material inimigo - com recurso aos drones - e depois partilhar com o exército ucraniano.
Além da recolha de informações, não falta quem participe de forma mais marcial. Instalado pelo regime russo, o governador de Kherson Volodymyr Saldo foi hospitalizado em Moscovo no início de agosto (algumas fontes indicam suspeitas de envenenamento); o vice, Alexei Kovalev, foi assassinado a tiro no domingo; o terceiro na hierarquia, Kirill Stremousov, gravou um vídeo a proclamar que "a Rússia está em Kherson para sempre", mas a mensagem foi gravada na cidade russa de Voronezh, dando a indicação de que fugiu. E na segunda-feira, explodiu o carro do major Sneshin, russo a comandar a polícia de trânsito. Segundo as fontes russas, terá sobrevivido.
Os ministros da Defesa da União Europeia concordaram na criação de uma missão de formação militar europeia para o exército ucraniano, anunciou o alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, após uma reunião ministerial em Praga. "Há muitas iniciativas de formação em curso, mas as necessidades são enormes e devemos assegurar a integração destes esforços", disse Borrell. "Posso dizer que todos os estados-membros estão claramente de acordo sobre isto e sobre o início do trabalho necessário para definir os parâmetros da missão de formação", concluiu.
No entanto, antes da reunião, alguns ministros mostravam-se céticos. "Resta saber se esta é a forma correta de ajudar. "Não estou muito convencido", disse o ministro luxemburguês François Bausch, que defendeu a formação ao nível bilateral. Também a ministra austríaca, Klaudia Tanner, não se mostrava adepta da ideia. Tropas ucranianas estão a receber formação na Alemanha, bem como no Reino Unido, não só de britânicos mas também de holandeses e canadianos.
Noutra reunião em Praga, mas dos chefes das diplomacias, o tema mais quente foi o de limitar ou proibir a atribuição de vistos aos cidadãos russos, dando eco aos apelos do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba. A República Checa, na presidência rotativa do Conselho da UE, apoiada por outros países de leste, defende o fim dos vistos turísticos para os russos. "Não há lugar para o turismo", disse o ministro checo Jan Lipavsky.
O estónio Urmas Reinsalu acrescentou que era altura de atingir os cidadãos russos comuns, depois das sanções terem restringido os movimentos de políticos e empresários. "Estas pessoas em silêncio também devem compreender que existem consequências da guerra O que é literalmente pago pelo dinheiro dos seus impostos são bombas que estão agora a matar crianças ucranianas e a apontar para hospitais, jardins de infância e escolas", acrescentou.
Todavia, vários países, Alemanha e França à cabeça, e o próprio Borrell mostram-se contra uma proibição de emissão de vistos. À boa maneira europeia, há indicações de que se poderá chegar a uma solução de compromisso. Os 27 poderão suspender partes de um "acordo de facilitação de vistos" feito com a Rússia em 2007, tornando mais complicada e mais cara a emissão de pedidos de vistos de curta duração no espaço Schengen.
Antes ainda de qualquer conclusão, o Kremlin classificou as medidas em análise de "irracionais". "Lamentavelmente, tanto Bruxelas como as capitais europeias estão a demonstrar uma total falta de razão", comentou o porta-voz Dmitri Peskov.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano Mykola Tochytsky convocou o embaixador da Turquia na Ucrânia, Yagmur Guldere para transmitir "uma nota verbal" sobre a passagem de um navio com armamento russo através do estreito do Bósforo. Uma forma diplomática de informar o descontentamento de Kiev sobre a passividade turca quanto ao trânsito de armamento russo.
No início da invasão russa da Ucrânia, a Turquia aplicou a Convenção de Montreux de 1936 que lhe permite limitar os movimentos navais dos estreitos de Dardanelos e do Bósforo. Na prática instaurou um embargo ao comércio marítimo de armas no Mar Negro aos dois países e aos seus apoiantes. Para os ucranianos, o facto de o Sparta II, de pavilhão grego, ser um navio comercial não o isenta de ser "abrangido pela definição de navio de guerra para efeitos da presente Convenção".
Imagens de satélite revelaram que o Sparta II transportou do porto sírio de Tartus - onde a Rússia tem uma base naval - uma carga com os sistemas de mísseis terra-ar S-300 para o porto de Novorossiysk, uns 150 quilómetros a sudeste do estreito de Kerch.
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