Conta-me como foi. As frases de publicidade que ficaram para a história
Na Rua dos Douradores, onde passava discreto todas as manhãs, Fernando Pessoa não sabia o que eram briefings, budgets ou marketeers. Tão-pouco o saberia Manuel Martins da Hora, fundador da primeira agência de publicidade portuguesa - Hora - que contava apenas com a intuição para redigir ele próprio os textos publicitários, fazer a composição dos anúncios e tratar da compra de espaço nos meios então disponíveis, quase sempre jornais e revistas.
Assim guiado, foi conquistando clientes importantes como a Nestlé (é o autor do popular concurso Bebé Nestlé), a Gilette, as pastilhas Rennie ou a Kodak. Mas quando o desafio lhe foi lançado pela Coca-Cola, que pretendia lançar-se em Portugal, o voluntarioso empresário temeu que lhe escasseasse o talento. Estávamos em 1927 e na Baixa de Lisboa (a Agência Hora tinha sede na Rua da Prata) só um homem podia combinar a liberdade da literatura com o rigor do comércio. Chamava-se Fernando Pessoa e Manuel Martins da Hora não hesitou em chamá-lo. Assim nasceu o slogan "Primeiro estranha-se, depois entranha-se", mas a ditadura nascente não via com bons olhos essa internacionalização do gosto dos portugueses. A comercialização da Coca-Cola foi proibida até ao 25 de Abril de 1974 e só chegaria aos estabelecimentos nacionais dois anos depois. No entanto, o slogan ficou: muitas vezes sem se lhe conhecer a nobreza da autoria, utiliza-se para definir hábitos e consumos que só o tempo e o uso continuado tornam indispensáveis.
Com autores mais ou menos notáveis, este é o destino de muitos slogans publicitários (sobretudo os transmitidos pela rádio e a televisão) que, ao longo de décadas, se tornaram bordões de linguagem do cidadão comum. No processo, até se pode ter já esquecido os produtos que anunciavam, mas o seu uso, em contextos inesperados, facilita a comunicação entre pessoas com memórias comuns.
Qual será o anúncio mais repetido ao longo de décadas em várias televisões do mundo (incluindo as portuguesas)? Muito provavelmente o dos chocolates da Ferrero Rocher, que tem origem britânica. Paul Williamnson (o chauffeur Ambrósio) e a antiga modelo norte-americana Lee Beverly Skelton interpretam um dos diálogos mais repetidos da história da publicidade: "Ambrósio, apetece-me tomar algo! Tomei a liberdade de pensar nisso, senhora". Graças à excelência da interpretação e ao requinte do décor, aqueles chocolates tornaram-se sinónimo de sofisticação e bom gosto. Mesmo que não saiam do porta-luvas de um automóvel de luxo.
Mas antes dos chocolates para a senhora conduzida por Ambrósio já os telespetadores conheciam de cor as campanhas das bem portuguesas Bombokas e Fantasias de Natal.A pequena Filipa Schlesinger (filha do publicitário que dirigiu o anúncio) deliciava miúdos e graúdos com a sua resposta a um avô demasiado guloso: "Não, não! O coelhinho veio com o Pai Natal e o palhaço no comboio ao circo".
Slogan mais simples e direto do que o da Nacional é impossível. Nos anos 1980 e 90 as massas e bolachas da marca faziam-se anunciar em spots que tinham em comum a frase: "O que é nacional é bom". Em breve, estas palavras serão aplicadas sempre que se defende a excelência do produto português, seja o bacalhau com batatas, uma paisagem ou os pés de um futebolista.
No caso das Bombokas, há que destacar duas campanhas de enorme popularidade. A mais antiga mostra um comerciante obrigado a desiludir um Pai Natal a braços com tantos pedidos iguais: "Só há estas, são para mim", responder-lhe-á numa réplica que será muito utilizada, em todas as circunstâncias imagináveis. Anos mais tarde, já com novos sabores, surgirá novo anúncio. Ante uma horda de crianças em exaltada busca de bombokas, um comerciante assustado recorre a um capacete militar e grita: "Ai, que lá vem outra vez a invasão!" Sucesso garantido.
Nos anos 1990, a agência Lowe & Partners mostrou ao mundo o quanto as mentalidades tinham mudado, com um anúncio que consagrou a expressão "Hora Coca-Cola Light". Claramente dirigido ao público feminino, a figura masculina era exibida como objeto de desejo carnal e a sexualidade das mulheres como algo natural. No spot víamos um escultural operário a refrescar-se com o refrigerante em causa, enquanto, no escritório, as senhoras suspiravam... Em fundo, a não menos sugestiva canção I Just Wanna Make Love to You, na voz da Etta James.
No ouvido dos "portugueses" ficaram também alguns anúncios dos principais supermercados. No caso da cadeia da Sonae, podem vir a Leopoldina e a Popota, um sem-fim de promoções e campanhas mas será difícil superar o impacto do slogan: "Novidades, novidades? Só no Continente". A percentagem de pessoas que ainda hoje farão a gracinha de repetir a frase já clássica (foi para o ar pela primeira vez em 1998) supera decerto as melhores expectativas de qualquer marketeer.
No caso do Pingo Doce, é difícil imaginar melhor escolha do que a da voz calma de Rui Morrison a anunciar solhas marinadas, crepes recheados com puré de castanhas, borregos de leite no forno guarnecidos com batatinhas. Tudo a um preço muito convidativo, só nesta semana. Onde? "No sítio do costume", como quem sugere um local muito nosso.
Poucos recordarão que o produto anunciado era o Sonasol Lava Tudo, mas ninguém esquece o slogan que rapidamente passou a ser aplicado a situações (e a pessoas) que não ofereçam dúvidas. No anúncio original, um mordomo à grande e à inglesa constata o escasso zelo das empregadas às suas ordens através do teste do algodão, tido por infalível. Perante a emergência, recorre-se ao dito Sonasol e o caso resolve-se num instante. Repetido o teste, o algodão revela a limpeza do serviço e o fim dos problemas do dono da casa. "O algodão não engana" virá também a ser o título de uma canção dos Tara Perdida.
Em matéria de utilidades domésticas, nenhum slogan bateria a popularidade da Pasta Medicinal Couto, há décadas "na boca de toda a gente". Nos anos 1960, a RTP passava um anúncio em que um negro fazia acrobacias impossíveis, com uma cadeira suspensa dos dentes. "É um artista português e usa Pasta Medicinal Couto", dizia a voz off. Estávamos em plena Guerra Colonial e havia que difundir a ideia da pátria multirracial. O mesmo princípio que terá norteado a famosa frase do restaurador capilar Olex: "Um preto de cabeleira loura ou um branco de carapinha não é natural. O que é natural e fica bem é cada um usar o cabelo com que nasceu".
Judeu de origem alemã, Kurt Dreidel dedicou-se em Portugal (onde se refugiou) à confeção de meias de alta qualidade. Terá começado do zero e ele próprio ia mostrar (e vender) o seu produto - as famosas peúgas CD - aos maiores estabelecimentos de Lisboa como os Armazéns Eduardo Martins, a Lanalgo ou a Loja das Meias. Homem de vistas largas, mal pôde confiou a Artur Varatojo (o homem popularizado na televisão e na imprensa pelos enigmas policiais) uma campanha publicitária capaz de fazer a diferença. Assim nasceu o famoso slogan que acompanhava o remate vitorioso de um jogador de futebol: "Com CD quem ganha é você".
Tão popular quanto as meias do Sr. Dreidel era a Thermotebe, fabricada pela Tebe. Recorrendo a uma tecnologia que permitia manter o calor do corpo à base de eletricidade estática, deve muito do seu sucesso ao slogan: "Tenho uma Thermotebe e o meu pai também". Em 2018, o dramaturgo Ricardo Correia usaria esta frase, tantas vezes repetida, para título de uma peça de teatro que tratava a destruição da indústria têxtil no norte do país.
O homem da Regisconta parecia um espião, de fato e com uma mala na mão. Emanava uma aura de mistério para uma criança que via as palavras "conte com o homem da Regisconta sempre" como um sinal de que aquele homem devia ser mesmo uma "máquina" a resolver os problemas e os mistérios para os quais o contratavam. O anúncio era feito com animação, algo não muito habitual e ainda mais chamariz para as crianças, e mostrava que o homem da Regisconta era aquele a quem devíamos recorrer para resolver qualquer problema, mesmo que a máquina com que fosse trabalhar fosse má. Afinal, ele era "aquela máquina". A voz do Fernando Girão ajudou para que este jingle entrasse nos nossos ouvidos e se mantivesse até hoje, conseguindo qualquer pessoa entoar a frase com a mesma pujança do anúncio que tinha a música do maestro Pedro Osório.
Tão popular como o homem da Regisconta só o pastor da Telecel. No Natal de 1995, a primeira operadora de telemóveis portuguesa tornou-se campeã de vendas em boa parte devido ao sucesso avassalador do anúncio em que um pastor, exultante, recebia uma chamada, rodeado apenas pelo seu rebanho. Ainda hoje, quando um telemóvel toca em público, ainda há alguém que repita a gracinha do "Tô xim? É para mim!". O ator João Vaz, que tão expressivamente deu vida à personagem, dirige hoje o grupo de teatro da Sociedade Filarmónica de Santo Estêvão.
Mas as máquinas, como às vezes esquecemos, não são isentas de riscos. Em 1986, a Prevenção Rodoviária Portuguesa lançou uma campanha institucional que fez história. Num breve filme, que tinha como cenário a maqueta quase infantil de uma estrada, vemos uma mão a conduzir um lápis como se fosse um automóvel. Pelo meio, vários copos de vinho, em que a mão se detém. Até que o inevitável acontece: a derrapagem e o bico do lápis a partir-se. Vermelho como sangue. Ouve-se então a voz off: "Talvez você não soubesse...Talvez pensasse que não era bem assim...Se conduzir não beba". O slogan foi rapidamente adotado por toda a gente e aplicado a situações de perigo nem sempre relacionadas com automóveis.
A sua amiga mudou de penteado? O colega perdeu no ginásio a barriguinha de cerveja? Experimente elogiá-los e quase de certeza ouvirá um deliciado "Se eu não gostar de mim, quem não gostará?". É assim desde que, nos anos 1990, se popularizou a campanha do leite e produtos lácteos da Matinal, criada pela Publicis e produzida pela Sync. Em fundo, ouvia-se a canção You Are So Beautiful na versão de Billy Preston. O sucesso da mensagem - a relação entre o cuidado com a alimentação e a autoestima - levou a Matinal a reutilizá-la em anúncios posteriores, como o assinado por Edson Athayde e Vítor Araújo, em que o slogan tradicional é substituído por "Porque eu gosto de leite. Porque eu gosto de mim".
A evolução dos spots relacionados com a beleza e a sedução liga-se intimamente ao período histórico em que foram produzidos. Longe vão os tempos em que a censura salazarista, temendo rimas malandras, obrigou a marca alemã de desodorizantes Rexona a adotar, em Portugal, o nome de Rexina. O mesmo se poderá aplicar aos três candidatos a galãs que cobiçavam a locutora e modelo Sílvia Rato, num anúncio aos sabonetes Palmolive, tentando adivinhar-lhe a idade. Contra as expectativas iniciais, a jovem faz-se acompanhar por três filhos já espigadotes. Estupefactos, os defraudados admiradores comentarão: "Três filhos? Terá casado aos 15?" Doravante, esta pergunta passou a ser feita, em tom de piada, sempre que o tema é alguém que aparenta menos idade do que a real.
A sedução dos aromas inspirará, aliás, alguns dos anúncios (e slogans) mais populares da história da publicidade. Com o desodorizante que passou a andar nas bocas de toda a gente com a frase "Se um desconhecido de repente lhe oferecer flores, isso é... Impulse". E com Loulou, da Cacharel, sentimos que podíamos viver como num filme antigo. O anúncio não é português mas o impacto da mensagem romântica e misteriosa tornou o perfume que anunciava um dos maiores bestsellers da perfumaria no nosso país, na década de 1980. O comercial evocava a atriz Louise Brooks que, nos anos 1920, se tornara célebre ao interpretar o papel de Loulou, com o cabelo à la garçonne. Em todos os países por que passou, os breves diálogos foram traduzidos, mas não a frase final que foi deliberadamente mantida em francês: "Oui, c"est moi!"
"Pois, pois, J.Pimenta". Muitos seguidores da versão portuguesa da série Conta-me como Foi terão ficado surpreendidos com a origem de uma expressão que já ouviram muitas vezes mas que poucos conseguiram explicar, Não era assim nos anos 1960 e 70: o Pimenta em causa era João Gonçalves Pimenta, nascido na aldeia do Souto, concelho de Abrantes, construtor civil de sucesso. Começou por construir casas na Reboleira (Amadora) e posteriormente em Cascais, Paço de Arcos e na península de Setúbal. Os apartamentos revolucionaram o mercado imobiliário quer pela dimensão quer pela aposta em apartamentos de baixo custo que se vendiam já mobilados. Na origem da expressão "Pois, pois, J.Pimenta" terão estado Os Parodiantes de Lisboa, no seu spot radiofónico.
Também outros bordões como "Tá bem, abelha" ou "Há. Mas são verdes" designaram, num tempo arcaico, produtos que talvez já não existam. Persistem, todavia, na linguagem quotidiana como um vestígio arqueológico. Estão entranhados, mesmo que os estranhemos.