Conservação da natureza? O melhor é "renaturalizar", defendem cientistas

Estudo publicado na revista <em>Science </em>por grupo internacional que inclui o português Henrique Miguel Pereira defende estratégia que exige menor intervenção e que, a longo prazo, "é mais eficaz e mais barata". A ciência explica como isso acontece
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Espécies em declínio, extinções em grande escala, contaminação dos ecossistemas terrestres e oceânicos, alterações climáticas e globais, a crise ambiental é uma realidade e a margem de manobra para reverter esta tendência, alertam os cientistas, é cada vez mais mais estreita. Face ao cenário inquietante, um grupo internacional de cientistas, que inclui o português Henrique Miguel Pereira, investigador em conservação da biodiversidade na Universidade de Leipzig, na Alemanha, e no InBio, em Portugal, propõe a renaturalização dos ecossistemas (rewilding em inglês) como uma estratégia preferencial para a conservação. "É mais barata e a longo prazo produz melhores resultados para a biodiversidade", resume Henrique Pereira.

Num artigo publicado hoje na revista Science, os autores passam em revista vários casos em que a estratégia adotada foi esta e concluem que ela é eficaz na recuperação dos ecossistemas complexos, identificando os três pontos essenciais na base dessa eficácia.

"Este tipo de abordagem funciona bem porque assenta em três aspetos essenciais: restaura a complexidade da cadeia trófica [alimentar], reforça a conectividade entre os territórios e permite que ocorram as perturbações naturais próprias de cada ecossistema", sublinha ao DN o mesmo investigador.

Na prática, a recuperação da cadeia trófica complexa implica que em primeiro lugar deverão ser reintroduzidos os grandes carnívoros ou herbívoros próprios de um determinado espaço, no caso de eles terem desaparecido anteriormente do seu habitat natural. "No caso de Portugal, por exemplo, estaríamos a falar de carnívoros como o lobo, ou o lince, e de herbívoros como os corços, os veados, os cavalos assilvestrados e gado selvagem", explica Henrique Pereira.

A partir de um certo ponto, tornar-se-á até desnecessário fazer essas reintroduções, porque havendo a conectividade entre os territórios próprios das espécies (o segundo fator que não pode faltar na aplicação desta estratégia de conservação), as espécies acabam por reocupar naturalmente os seus territórios.

O terceiro e último aspeto identificado pelos cientistas no artigo da Science como sendo basilar no sucesso desta abordagem de conservação é o de ele permitir que as perturbações naturais próprias desses ecossistemas possam ocorrer sem entraves. São exemplo disso, as inundações cíclicas em zonas ribeirinhas.

Um dos exemplos citados pelos investigadores no artigo, em relação a este fator, é o da floresta urbana de Leipzig, cuja ciclo de inundações anuais, por motivos de gestão urbana, tinha sido interrompido durante quase um século, levando a um empobrecimento progressivo e acentuado da sua biodiversidade. Restaurada há poucos anos, pelas autoridades municipais, essa possibilidade das inundações cíclicas, a floresta já readquiriu hoje parte da biodiversidade perdida, asseguram os cientistas.

Uma prática para o futuro

A publicação do artigo "Rewilding Complexe ecossystems" surge num momento crítico do debate sobre os planos de conservação para o futuro, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade para a próxima década, que a ONU já designou como a década da restauração da biodiversidade. Com esta publicação, os 16 autores pretendem, justamente, chamar a atenção para o papel que esta abordagem na conservação pode ter nesse contexto.

"Os objetivos da Convenção da Biodiversidade para a década que está a terminar não foram cumpridos", explica Henrique Pereira, sublinhando que "estão agora a ser negociados os planos pós-2020 no âmbito da convenção".

Passando em revista os pontos essenciais desta abordagem na conservação da biodiversidade, e mostrando exemplos concretos do sucesso da sua aplicação, a equipa pretende dar "um contributo para esse debate", nota Henrique Pereira. "A nossa ideia é que esta abordagem possa ser adotada nos planos de conservação para a próxima década".

Nesse sentido, serão cruciais os debates da COP (Conferência da Partes da Convenção) do próximo ano, já que é aí que esses planos ficarão definidos.

Nascido na década de 1990, nos Estados Unidos, num contexto restrito que passava sobretudo pela criação de grandes espaços para a reintrodução de carnívoros, o conceito de renaturalização ganhou um sentido mais amplo na última década na Europa, onde se tornou crescentemente popular. E o estudo agora publicado mostra que ele, ao implicar menos ações de gestão direcionada, acaba por se tornar mais barato, ganhando também em eficácia

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