Também. Diana Fernandes, responsável pelas Women Runners Portugal e membro da equipa de embaixadores dos ASICS FrontRunner Portugal, diz mesmo que conhece mulheres que deixaram de treinar por causa do assédio que sofriam. ."Seja numa sala de cardiofitness ou na rua quando vão correr, as mulheres estão expostas a este tipo de constrangimentos. Já presenciei situações de mulheres que estavam a treinar na sala de musculação e evitavam ir às zonas do peso livre (onde estão as barras e os halteres) porque estavam lá homens que faziam comentários inapropriados", diz Diana, que pratica corrida e triatlo na zona de Lisboa..Além de conhecer histórias alheias, que vão do evitar de determinados percursos à desistência pura e simples, ela própria diz passar constantemente por este tipo de situações.."As minhas sessões de treino são outdoor, e a verdade é que já me 'adaptei' a este tipo de inconveniente e, sempre que oiço algum comentário, tento fingir que não ouvi", diz, lamentando as tantas que acabam por desistir.."O pior é quando pensamos se vale a pena continuar a praticar a atividade, visto que nos está a trazer constante desconforto. Muitas mulheres deixam de treinar porque, ao ouvirem certos comentários, põem em causa se realmente vale a pena. Ficam tão envergonhadas e incomodadas com o tipo de comentários, que normalmente são sexuais ou piadas de mau gosto ou até insultos, que desistem.".De acordo com a experiência de Diana Fernandes, as situações mais desagradáveis acontecem geralmente perto de sítios onde existem "obras ou construções". "Locais onde existam bares também são sítios propícios a ouvir algumas 'pérolas' desnecessárias", diz a responsável da Women Runners Portugal, que se sente mais segura a treinar no Jamor (Estádio Nacional), onde está sempre bastante gente a praticar corrida e outras modalidades desportivas, ou na zona da Guia/Guincho, em Cascais, onde existe uma ciclovia bastante extensa e também muita gente a praticar corrida, ciclismo e caminhada.."No geral, todos os espaços destinados para a prática desportiva são os que mais procuramos. Ainda que tenhamos de ter em atenção os horários, pois para um homem sair para treinar às 22.00 é mais seguro do que para uma mulher, e sabemos bem o motivo, infelizmente.".Fazer corrida em grupo é uma solução que muitas mulheres escolhem, mas nem sempre é fácil, segundo Diana, encontrar um grupo com horários compatíveis. "Muitas mulheres são mães trabalhadoras e assumem várias responsabilidades com as quais é difícil acertar o horário do treino.".Segundo uma sondagem da World Runners, cerca de 43% das mulheres que fazem corrida já foram alvo de algum tipo de assédio, por comparação com 4% dos homens. Uma percentagem que aumenta quando se trata de mulheres com menos de 30 anos, que o sofrem com maior frequência..De acordo com o inquérito, este tipo de intrusão acaba por ter um efeito perturbador e desmobilizador e leva as vítimas a adotar comportamentos de defesa: 73% levam sempre o telefone quando vão correr, 60% correm apenas de dia e 52% mudam percursos de corrida para evitar voltar a sofrer este tipo de situações..Bo Irik, holandesa a viver em Portugal, praticante regular de corrida e falante de um português irrepreensível, acredita que "no nosso país" este não é um problema tão grave como noutros, mas já passou por situações menos agradáveis.."Tudo depende das zonas, mesmo dentro da cidade de Lisboa, que é onde costumo correr mais. À beira-rio é supertranquilo, nunca sofri qualquer tipo de assédio nem piropos nem nada disso, porque é uma zona muito frequentada por runners , e entre runners nunca vi isso acontecer ou ouvi qualquer história desse tipo, pelo contrário, protegem-se uns aos outros. Além disso, a zona do rio é mais aberta.".Em sete anos, passou por duas situações mais complicadas. "Costumo correr quase sempre em grupo nas colinas da cidade e na Baixa de Lisboa, e em grupo é claro que ninguém se mete connosco, mas uma vez, no nosso grupo de corrida, os rapazes fizeram um sprint para o fim e as miúdas ficaram para trás, e um grupo de dealers ali no Bairro Alto meteu-se connosco e aproximou-se demasiado", conta.."Não nos tocaram, mas as palavras não eram nada agradáveis. A partir desse momento desviámos o nosso percurso e deixámos de passar por aquele cruzamento. São palavras que causam enjoo, realmente, nenhuma mulher quer ouvir aquilo e aconteceu porque os rapazes não estavam connosco. Outra vez que também não me vou esquecer foi na zona da Praça do Chile. Estava a subir uma rua - a Barão de Sabrosa -, o passeio era estreito e havia carros estacionados. Dois tipos à entrada de um café, quando passei a correr, desviaram-se, mas houve um que jogou a mão ao meu rabo e tocou-me, e eu virei-me e reagi, dei-lhe um grito, que não voltava a fazer aquilo, e continuei", conta Bo Irik, que diz não correr em grupo por uma questão de segurança, mas de convívio, e nem pensar em condicionar a roupa que veste para correr por se sentir intimidada ou com medo de ser assediada.."Quando passamos nas obras, porque a correr estamos com mais pele visível, calção mais curto, às vezes podemos correr só de top, é certo que somos alvo de piropos por causa disso, mas, se não são ofensivos, com esses lido de forma tranquila. Não sei dizer se isto é frequente ou não, corro desde 2013 em Lisboa, três vezes por semana, e foram estas as experiências desagradáveis que tive. Diria que não é comum, até porque estas aconteceram em zonas onde não é frequente ver-se runners", diz a corredora, que tem muitas amigas que correm e não têm queixas deste género.."Não é um tema de que se fale muito, mas agora estou a lembrar-me. Eu também faço tours de corrida, como se fosse uma tour guiada pela cidade de Lisboa, mas a correr. Vou buscar as pessoas ao alojamento, dou uma volta de uma hora a correr pelos miradouros mais emblemáticos e depois deixo-as no alojamento, e de facto sinto que são mais as mulheres que contratam este tipo de serviços. Talvez porque no país delas não seja recomendado uma mulher ir correr sozinha e é uma forma de terem companhia, já senti isso em alguns casos. Mas isso tem mais a ver com o sentimento de insegurança no país delas do que no nosso", diz Bo Irik..Ainda assim, em abril de 2019, a Revista Atletismo publicava um artigo com conselhos de segurança para mulheres atletas. Treinar acompanhada, levar o telefone, evitar zonas isoladas ou com pouca iluminação à noite, correr sempre de frente para os veículos de modo a poder observar a sua aproximação e estar sempre alerta são alguns deles, entre outros, que fazem parecer a corrida uma atividade de alto risco..Talvez não seja tanto assim, mas caso passe por uma situação destas fique a saber que o assédio de rua já é crime em Portugal e pode dar até três anos de prisão.