Conflito entre armas dos EUA e missão de paz da ONU
Armas americanas ou os capacetes azuis das Nações Unidas: a situação no Leste da Ucrânia, onde se confrontam as forças de Kiev e os separatistas pró-russos num conflito que se arrasta há quase três anos, poderá estar suspensa de uma opção crucial entre o reforço militar ucraniano, com o apoio dos Estados Unidos, ou uma missão de paz da ONU.
Washington agita a ideia de fornecer "armas letais defensivas" à Ucrânia, como forma de obrigar Moscovo a cessar o seu apoio às milícias separatistas de Lugansk e Donetsk e desbloquear o impasse militar no leste da Ucrânia de forma a permitir, finalmente, avanços no processo político previsto no acordo Minsk II, aprovado há dois anos e meio.
Ao mesmo tempo ganha corpo a ideia de uma missão de paz da ONU capaz de pôr termo ao impasse no conflito. A ideia foi já alvo de conversas entre responsáveis russos e americanos e entrou na agenda do Conselho de Segurança da ONU. A Casa Branca, o Kremlin e o próprio regime de Kiev, têm conceções muito diferentes do mandato de uma eventual missão internacional de paz e, detalhe crucial, da sua disposição no terreno.
Romper o impasse
O fornecimento de armas letais "defensivas" é há muito defendida nos meios do Pentágono e do Departamento de Estado. A Câmara dos Representantes aprovou já em setembro do ano passado o princípio do fornecimento de armas "defensivas" a Kiev.
O senador John McCain, um dos mais destacados adeptos de uma linha dura face a Moscovo, e o antigo secretário-geral da NATO e atualmente conselheiro do presidente ucraniano, Anders Fogh Rasmussen, defenderam ambos, há duas semanas, o fornecimento de armas à Ucrânia como forma de romper o impasse no Leste do país. Mas a questão assumiu nova urgência quando, no decorrer de um encontro com o presidente Petro Porochenko em Kiev, dias depois, o secretário da Defesa Jim Mattis confirmou que Washington "está a considerar a hipótese de fornecer armas letais defensivas para apoiar a Ucrânia na luta contra os separatistas russos".
O Wall Street Journal foi mais longe e adiantou que o apoio militar em questão incluiria mísseis anti-tanque Javelin e possivelmente sistemas antiaéreos.
Ao mesmo tempo ganhava corpo a ideia de uma missão de paz das Nações Unidas no Leste da Ucrânia. A questão foi abordada numa conversa telefónica entre Angela Merkel e Vladimir Putin no início de setembro e mereceu acolhimento interessado do enviado especial de Washington para o conflito ucraniano, Kurt Volker.
Putin falou de uma missão destinada fundamentalmente a proteger os observadores da OSCE, que estão no terreno desde março de 2014, e que se têm visto envolvidos em vários incidentes com as partes beligerantes. A dar fé à imprensa russa, o Kremlin estaria disposto a discutir um mandato mais alargado, mas o acerto dos detalhes da missão afigura-se problemático.
A proposta russa defende que a força das Nações Unidas deverá ser disposta ao longo do corredor que separa as tropas ucranianas e as forças separatistas - ou seja, das posições do cessar-fogo definidas pelos acordos de Minsk. O Departamento de Estado norte-americano considera que os peacekeepers da ONU deviam ser instalados ao longo da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia e o presidente ucraniano Petro Porochenko defende a ideia de uma força de paz no território das autoproclamadas Repúblicas de Donetsk e de Lugansk.
Acordos de Minsk bloqueados
Os acordos de Minsk, assinados pela Rússia, pela Ucrânia, pela Alemanha e pela França na capital bielorrussa em setembro de 2014 e fevereiro do ano seguinte, conseguiram na altura travar o alastramento do conflito, garantindo um cessar-fogo e a retirada do armamento pesado das duas partes para uma distância de 15 de quilómetros da linha de confronto.
O cessar-fogo tem-se mantido entre altos e baixos, mas os incidentes e "provocações" repetem-se com as duas partes a culparem-se uma à outra, parte das armas pesadas retiradas voltaram à linha da frente e a ameaça de uma nova escalada pende em permanência sobre uma "guerra esquecida", que fez já cerca de 10 mil vítimas e entre dois e três milhões e meio de deslocados.
Kiev e o Ocidente apontam o dedo a Moscovo e responsabilizam o apoio russo às milícias separatistas pelo impasse no conflito. Na perspetiva do senador John McCain fornecer armas a Kiev, e aumentar assim "o preço da agressão", ajudaria a "alterar os cálculos de Putin e obrigar a Rússia a cumprir os acordos de Minsk".
Os setores mais radicais do regime de Porochenko continuam a defender a via das armas e a retirada dos "voluntários russos" poderia tentar Kiev a resolver a situação por meios militares.
O Kremlin continua a negar qualquer envolvimento no conflito e culpa Kiev pelo bloqueio dos aspetos políticos de Minsk II. Porochenko assinou o documento sob pressão europeia e a Rada (Parlamento) de Kiev ofereceu forte resistência a um acordo que prevê, a par de uma reforma constitucional e eleições nas áreas rebeldes, uma forte autonomia para as regiões separatistas e o direito de desenvolverem livremente a cooperação com a Rússia.
Os riscos do status quo
Anders Fogh Rasmussen disse em Kiev que a anuência do Kremlin a uma força de paz das Nações Unidas na fronteira com a Ucrânia poderia valer a Moscovo o "levantamento de parte das sanções" americanas à Rússia. A "cenoura" de um aliviar progressivo das sanções impostas pelo Ocidente na sequência da ocupação russa da Crimeia, em março de 2014 está longe de garantida.
O Congresso americano "blindou" em julho as sanções à Rússia e, numa atmosfera que coloca as relações com Moscovo sob suspeita, é de duvidar que Donald Trump conseguisse condições políticas para aliviar a pressão sobre o Kremlin.
Nem o apoio militar americano a Kiev nem uma eventual missão de paz da ONU parecem para já capazes de garantir uma solução para o conflito ucraniano. O status quo atual poderá servir para já as perspetivas tanto de Porochenko como de Putin, mas a um preço elevado, tanto para as populações do Leste da Ucrânia como para a estabilidade da região.
O estado de guerra latente no leste da Ucrânia levou à concentração de forte dispositivo militar ao longo das fronteiras entre a NATO e a Rússia e ao multiplicar de manobras militares e "jogos de guerra" que colocaram já, em diversas ocasiões, aviões e navios russos e da Aliança em rota de colisão.
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