'Compartiment nº 6'. Viajando por terras russas

Obra do finlandês Juho Kuosmanen é aquele filme que todos esperam que venha a figurar no palmarés de Cannes.
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Olhando para os céus da Côte d"Azur, este ano parece difícil que se cumpra o simbolismo meteorológico do Festival de Cannes. A saber: pelo menos um dia de chuva... Mas há tradições que não falham. Desde logo, a passagem de um filme capaz de dividir os espectadores entre entusiasmo e rejeição: Benedetta, de Paul Verhoeven, já cumpriu a sua missão. Mas há também o filme que todos esperam (ou desejam) que esteja no palmarés - e aí está Compartiment nº 6, do finlandês Juho Kuosmanen, a assumir tal papel.

Filmado na Rússia, nele acompanhamos uma jovem finlandesa (Seidi Haarla, na linha da frente das candidatas a um prémio de interpretação) que viaja de Moscovo até Murmansk, no Ártico, para conhecer uma zona especialmente significativa para as suas investigações arqueológicas. Numa espécie de odisseia zen, suavemente pós-moderna, o mais importante (até porque ocupa todo o corpo central do filme) não é o que se encontra à chegada, mas a própria viagem.

O essencial do filme de Kuosmanen passa-se no interior do comboio, numa espécie de "on the road" (ou "on the train", se assim nos podemos exprimir...) em que a protagonista tem de partilhar o seu compartimento com um jovem russo: vai também para Murmansk, para um trabalho algo indefinido, mas que, como ele diz, lhe permitirá montar o seu próprio "business"... A sua mais óbvia especialidade: beber tudo o que tenha alguma componente alcoólica.

Enfim, da caracterização do russo até à demanda existencial da finlandesa, são vários os clichés que podiam reduzir Compartiment nº 6 a uma colecção de banalidades mais ou menos previsíveis. O certo é que Kuosmanen se interessa, realmente, pelas singularidades das suas personagens, dando tempo e espaço aos seus actores para irem revelando as nuances das respectivas personalidades. Daí também o destaque para o intérprete do jovem russo, Yuriy Borisov, que já conhecíamos de Elena (2011), de Andrey Zvyagintsev.

A este propósito, vale a pena acrescentar uma evidência que, a meu ver, merece uma relevância mediática que nem sempre encontra. Assim, os títulos da selecção oficial de Cannes, da fantasia de Leos Carax ao realismo estrito de Emmanuelle Bercot, têm servido também para combater a visão corrente (muito poderosa, sobretudo junto dos espectadores mais jovens) do cinema como palco de ostentação tecnológica. Neste aspecto, não devemos recear um velho cliché: os actores são sempre os melhores "efeitos especiais".

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