Como João Lagos trouxe Bjorn Borg a Portugal
João Lagos diz que não lhe compete avaliar se é o grande dinamizador do ténis em Portugal, mas ter trazido Bjorn Borg, em 1982 "foi o ponto de viragem". A partir daí o ténis "deixou de ser associado ao fascismo e passou a ser um desporto acessível a todos", apesar de ainda hoje ser conotado com algum elitismo social. Por isso, esta quarta-feira, reuniu a família, amigos e antigos colaboradores no Clube de Ténis do Estoril - que daqui a um mês recebe o Estoril Open - para comemorar os 40 anos vinda da lenda do ténis a Cascais. "Falei pouco com ele. Era um tipo muito metódico e concentrado, de poucas palavras", recordou o empresário, agora com 77 anos.
Em 1982, o antigo campeão nacional de ténis estava longe de ser o todo poderoso que viria a colocar o Estoril Open no mapa ATP e trazer estrelas como Djokovic ou Federer ao Jamor. Era um simples treinador de ténis da escola João Lagos, quando recebeu um telefonema que lhe mudaria a vida. Um empresário dinamarquês, Ole Fredericson, tinha assinado um contrato para três jogos de exibição com Bjorn Borg e o norte-americano Vitas Gerulaitis, mas um dos sponsor rompeu o acordo e ele precisou de endossar o contrato e responsabilidade de dois desses três dias de exibição e ligou ao português.
Lagos não o conhecia e soube depois que tinha sido um tenista dinamarquês que costumava jogar em Portugal que falou nele a Ole Fredericson. "Contratar Borg era caríssimo, sub-contratar era mais barato, mas ainda assim caríssimo, eu não tinha dinheiro para isso, mas só pensava que ia partir a louça toda se trouxesse o Borg a Portugal", contou o empresário, que tratou de "operar um milagre em 24 horas" com ajuda das aguardentes Macieira e da RTP.
Decidiu ir pedir um patrocínio à Casa Macieira, conhecida pelas aguardentes e por importar o o whisky Chivas - que acabou por dar o nome ao evento. No dia a seguir, bem cedinho e de fato de treino (porque ia dar treino a seguir) dirigiu-se ao escritório da empresa. Chegou antes de abrirem, esperou e pediu para falar com o patrão: "O José Machado Leite recebeu-me, contei-lhe a história, ele ia fazendo perguntas, mas não disse que não e eu comecei a pensar que havia hipóteses até que ele me pergunta: "e televisão temos?" Fiquei à nora, sabia lá eu que precisava de televisão."
Só havia a RTPe foi lá que foi de seguida. "Cheguei à receção e pedi para falar com o presidente. As meninas que estavam lá olharam umas para as outras e riram-se de mim provavelmente. Eu de fato de treino e molhado pela chuva a pedir para falar com o presidente... Mandaram-me esperar e esperei para aí uns 10 minutos, uma eternidade. Subi de elevador e tinha o Daniel Proença de Carvalho à minha espera. Fomos para a sala dele, ele pediu ao administrador financeiro para se juntar a nós. Eu contei a história outra vez, com algum entusiasmo à mistura disse quando custava, que tinha um possível sponsor e... Eles não tinham dinheiro, mas ofereceram tempo de antena em publicidade", contou Lagos, recordando que "pela primeira vez em Portugal, havia ténis em horário nobre, e foi aí que o ténis virou moda".
Antes do meio dia, Lagos estava de volta à Macieira a dizer que a televisão estava garantida. Depois foi ao Ritz ter com o empresário, que nem queria acreditar que ele tinha arranjado uma solução em menos de um dia: "A partir daí começou loucura." Problema seguinte, arranjar um court. Os poucos que havia no País tinham eventos agendados. Com muita diplomacia e ajuda do Dramático de Cascais "construiu-se" um court de piso lento (pedido expresso de Borg) num ringue de hóquei em patins.
Com algumas aventuras pelo meio - cimento foi colocado por cima do soalho do pavilhão e seco com ajuda de aquecedores/ventiladores um dia antes - o torneio aconteceu. Criou-se uma zona VIP e improvisaram-se uns camarotes - um deles recebeu o Eusébio e mais uns amigos. E assim se deu origem à famosa feira de vaidades tão em voga nos eventos de ténis. Para impedir que Borg fosse incomodado, Lagos improvisou um guarda-costas, pedindo a um ex-tenista amigo, Luis Filipe, para ser a sombra do sueco dono de 11 majors na carreira. Ele recorda-se que ainda deu "uma chapada num a que tentou entrar no balneário".
Também lá esteve Jorge Dias, que viria a ser um dos melhores árbitros de cadeira do ténis mundial e arbitrado nos grandes torneios, como Wimbledon 2001, ganho por Goran Ivanisevic.
João Lagos ainda levaria Bjorn Borg a um jogo de exibição em Famalicão. As exibições no Pavilhão do Dramático de Cascais tornar-se-iam célebres. Depois de Borg vieram outras grandes figura do ténis, casos de John McEnroe, Ivan Lendl e Jimmy Connors, todos nº 1 mundiais. O sucesso destes eventos catapultou-o para a organização da era dourada do Estoril Open. Além de por Portugal no ATP Tour com o Estoril Open (que liderou durante 25 anos).
isaura.almeida@dn.pt