"Como não percebem que é preciso cópia do Cartão do Cidadão?"
A estupefação repete-se. "Olhe aí essa caixa, são votos anulados. São de emigrantes que voltaram a não enviar cópia do cartão de cidadão. E é uma percentagem muito significativa: três caixas de envelopes com os votos [cada uma pode levar em média 250] e uma delas já está quase cheia com votos já anulados. Há caixas deles em todas as mesas".
Aqui, contam-se votos que vieram por correspondência de Dublin, Viena, Haia, Andorra, mas nem todas as caixas, de papelão acastanhado, estão cheias. "Há menos caixas e menos votos em muitas. Umas com cento e pouco. E até uma seis", conta Cândido - que não esconde o desalento com a lei eleitoral. "Isto precisa urgentemente de ser alterado, isto assim é ridículo. O que aconteceu das outras vezes foi um disparate. O que valeu para os de Fora da Europa já não valeu para a Europa. Mas não são todos portugueses na mesma? Alguém achou que não valia a pena fazer queixa para os Fora da Europa, é estranho, não é?".
Na mesa 82, João Pires - "como o vinho", diz-me -, de 55 anos, que faz "isto desde os 18", confirma a baixa participação [recebem votos de Genebra, Suíça]. "Há menos votos, temos aqui quatro caixas". E "desta vez não há dúvidas, desta vez a mesa não decide nada", acrescenta Carla Espírito Santo, de 42 anos, que me explica o processo: "Com este aparelho [um leitor de código de barras] lemos o código gravado no verso do envelope. O nome do eleitor [cujo número de cartão de cidadão e nome está no envelope] é descarregado para estes dois computadores, há uma dupla verificação. Depois fazemos a contagem manual para ver se tudo bate certo com o registado. Abrindo as cartas, as brancas, vemos se tem cópia do CC: as que não tiverem vão para a caixa dos anulados, aos restantes tiramos o envelope verde que vai para a urna".
Sentada ali ao lado, Margarida Santos, de 71 anos, que já faz "mesa de voto desde as primeiras eleições" [legislativas, autárquicas, presidenciais] alerta-me para o que não muda. "Só há computadores nesta, de resto é tudo igual desde 1976". E porque está aqui? A resposta é antecedida de um sorriso. "Gosto muito, não sei bem porquê. Adoro fazer este trabalho. Houve anos em que não pagavam nada, fazíamos gratuitamente. E houve uma altura, que lá na minha freguesia, nos davam uma senha para o almoço, um miminho. Só muito mais tarde é que começaram a pagar".
"E já foi 75 euros, agora é 50", acrescenta Carla Espírito Santo.
Metros adiante, na mesa onde se verificam envelopes de Zurique e Lugano, Pedro Moura, de 63 anos, desabafa: "há menos caixas com votos, quase metade. É a consequência dos contraditórios da última vez. Agora a coisa está clara, mas é evidente que são muito menos".
Sidónio Gandez, de "70 anos fresquinhos", do Barreiro, é o mais velho deste grupo. E já anda "nisto desde Abril, o Abril de 76". Está sentado, frente ao computador, na verificação de "eleitores" muito sério, concentrado. Sidónio, que não parece ser homem muito efusivo nas palavras, resume rapidamente o que o leva a estar, eleição após eleição, neste trabalho: "é participar, dar a minha cidadania, fazer parte do processo democrático".
Do outro lado da mesa, Inês Martins, de 23 anos, explica igualmente de forma sucinta porque está ali. "Já fui emigrante, sinto que é um dever dar importância ao voto. É algo que que me toca... para mim faz sentido estar aqui".
O apito do leitor de barras e os nomes que vão sendo ditos soam a cantilena. E repetem-se por todo o pavilhão. Passo mesa por mesa e faço a mesma pergunta vezes sem conta. A resposta é sempre igual. "São menos"; "Da última vez foram nove caixas, agora são quatro"; "Deve haver muita abstenção"; "Mas como é que as pessoas não percebem que é preciso cópia do cartão de cidadão?"; "A continuar assim, ainda temos mais de 20% de votos nulos".
O que falta em envelopes e sobra em votos anulados - os do Luxemburgo não escapam à regra - mas tal não parece inquietar Olívia Matos, de 73 anos, que já esteve "nas mesas, como observadora, em 1973 pela oposição, pela CDE".
Passaram 49 anos e a convicção, garante, é a mesma: "É uma questão de justeza política, de civismo. Quer saber porque continuo? Sou viciada". Em eleições, pergunto? "Em democracia".
Nem o natural "empate" nem "uns 2-0 de castigo" como Rui Rio queria e porque, argumentou, o PS "merecia". A previsão de João Pina, o homem dos estudos e das sondagens do PS, agora que já foram "contados 75 mil votos" - como escreveu no Facebook - é que os socialistas façam o pleno: eleger os dois deputados pelo círculo da Europa.
Apesar de ainda faltar contar "uns 40 mil votos" (o escrutínio termina hoje) o socialista João Pina assegura que Paulo Pisco e Natália de Oliveira serão os deputados eleitos que aumentam a maioria absoluta de António Costa para 120 parlamentares.
Maria Ester Vargas, do PSD, a cabeça de lista do PSD que substituiu o "histórico" Carlos Gonçalves, perde assim o lugar de deputada que tinha ganho na "primeira volta".
O Tribunal Constitucional mandou repetir as eleições legislativas para o círculo da Europa após os "procedimentos anómalos em 150 secções" que misturaram votos válidos e inválidos.