Como Angola foi nossa, do "irmão" e do "camarada"
O ator Joaquim Horta nasceu 21 dias antes do 25 de abril. É filho de um dos muitos homens que, em Angola, combateram na guerra do Ultramar. Quando, em 2013, Joaquim chegou a Luanda para descobrir e dar formação a novos atores do país, descobriu também o livro Mais Um Dia de Vida - Angola 1975, de Ryszard Kapuscinski, onde este relata o conturbado período pós-independência e de luta interna pelo poder. Horta identifica a sua resposta com a do jornalista polaco: "Eu aceitei." e "Ele aceitou." Em momentos diferentes, e por motivos diferentes, ambos partiram para Angola.
De Kapuscinski ficou o livro. De Horta há a partir de amanhã, no espaço NEGÓCIO, em Lisboa, o "espetáculo/performance/documentário" Mais um dia. Se é Angola? Há a cerveja nacional, a Cuca, em cima da mesa, fala-se de Mephaquin, o medicamento para combater a malária. Também em cima da mesa está uma pilha de livros onde constam Diamantes de Sangue, de Rafael Marques ou Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes.
Se é Angola? Ouve-se Angola é Nossa - recorde-se o hino Angola é nossa gritarei / É carne, é sangue da nossa grei / Sem hesitar, pra defender / É pelejar até vencer -, evoca-se a clínica Girassol, em Luanda. Joaquim diz que nos devemos lembrar dela. Afinal, foi lá que Luaty Beirão, um dos 15 ativistas detidos em Angola e agora em julgamento, esteve internado durante a sua greve de fome de 36 dias.
Se é Angola? É. As imagens projetadas são de fotografias que Horta tirou enquanto lá esteve, as vozes - a do próprio, a de Kapuscinski e, de algum modo, indireto, a do pai do ator - que se cruzam ao longo de tudo o que ele vai entoando têm aquele país como paisagem.
Por exemplo: 1975. Um posto de controlo. Se quem o controla é do MPLA, deve lançar-se um "Camarada"; se, por outro lado, se tratar de um guerrilheiro leal à UNITA de Jonas Savimbi ou à FNLA de Holden Roberto, há que cumprimentar com um: "Irmão". Arrisca-se "camarada". Há uma espera angustiada. Acertou. Pode passar.