Combate à corrupção. Premiar ou proteger mais os arrependidos ainda divide partidos

A corrupção é uma prioridade e todos os partidos pedem o reforço de meios para o Ministério Público e Polícia Judiciária na investigação deste tipo de crime. Mas os programas eleitorais divergem numa das medidas mais polémicas, a proteção de denunciantes.
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Só CDS e PAN, entre os partidos com assento parlamentar, querem aprofundar o estatuto do arrependido, mas sem nunca admitirem a polémica figura da "delação premiada". Este mecanismo de combate à corrupção está bastante longe de reunir apoio.

Os crimes económico-financeiros são difíceis de apanhar na malha da justiça, que muitas vezes só acede a eles através de denúncia de alguém envolvido no esquema de corrupção. O CDS é o partido que assume mais claramente no seu programa eleitoral que "o estatuto do arrependido é incipiente" em Portugal e, por isso, defende que se aprofunde o quadro legal que enquadra esta figura.

"É vital assegurar que as pessoas que denunciam práticas ilícitas de que hajam tido conhecimento no seio das organizações públicas ou privadas com que colaboram ou onde exercem funções sejam especialmente pro­tegidas dentro delas, impedindo discriminações negativas como os en­traves à progressão na carreira ou processos disciplinares encapotados", asseguram os centristas.

Mas, para o partido de Assunção Cristas, o facto de se proteger o arrependido, não o inibe de ser arguido e de censura penal, ou seja, que seja responsabilizado pelo crime que cometeu e que denuncia. Um novo estatuto, segundo o CDS, permitirá que se estenda a todas as fases do processo. Pela legislação atual só é reconhecido este estatuto na fase do julgamento e a ideia é que seja possível na fase do inquérito ou de investigação.

Uma medida que foi defendida neste ano pelo diretor da Polícia Judiciária, Luís Neves, que pediu o fim dos "cinismos" sobre o estatuto do arrependido. "Temos de lutar por um verdadeiro estatuto do arrependido, em que a sua aplicação não tenha apenas lugar na fase de julgamento. Há que ter confiança, o estatuto tem de passar para a fase de inquérito. Temos de nos deixar de cinismos e dizer 'chega', se queremos combater este tipo de criminalidade, em que as organizações criminosas têm um avanço de tal forma grande que não é possível recuperarmos o atraso", defendeu na abertura de uma conferência internacional sobre integridade desportiva.

No que foi secundado pelo procurador-geral distrital de Lisboa, Amadeu Guerra: "O objetivo desta iniciativa é analisar tendências de atuação e estabelecer formas de colaboração. Criar confiança é importante para assegurar proteção em casos de denúncia. Temos de evitar que as pessoas que colaboram sejam as grandes prejudicadas, como dizia o diretor Luís Neves."

Mas, em programa eleitoral, só o PAN secunda esta proposta do CDS, ao defender que se crie um regime de "proteção de denunciantes que garanta o anonimato e a segurança dos denunciantes ao mesmo tempo que assegura que a informação que por aqueles é prestada é protegida".

Apesar da Juventude Social-Democrata defender abertamente a "delação premiada" - figura que na legislação brasileira, por exemplo, dá um benefício legal a um réu que aceite colaborar na investigação criminal ou entregar os seus cúmplices, e que permitiu avançar com o caso Lava-Jato, que envolveu o presidente Lula da Silva -, o PSD não adotou a ideia nas suas propostas eleitorais. O silêncio sobre esta matéria também é timbre do PS, que passa ao lado do Bloco de Esquerda.

Os comunistas preferem rejeitar liminarmente que o caminho do combate à corrupção se faça por esta via: "O combate firme à corrupção não passa pela adoção de mecanismos como as 'delações premiadas' que, em nome desse combate, destruam garantias fundamentais e instituam as bases de um Estado policial sem controlo democrático", escreve o partido liderado por Jerónimo de Sousa no programa eleitoral.

Portugal mau aluno

No último relatório de 2018 do organismo criado pelo Conselho da Europa para monotorizar a corrupção, Greco (Grupo de Estados contra a Corrupção), que integra 49 países, Portugal ficou entre os 16 que ainda têm a maior parte das medidas recomendadas para aplicar. Em especial na corrupção dirigida particularmente a deputados, juízes e magistrados do Ministério Público. Embora o último "pacote" de transparência, aprovado no Parlamento no final da legislatura, já dê resposta a algumas destas medidas.

Mas os partidos passam ao largo de algumas recomendações do Greco e avançam com outras propostas de combate à corrupção para estancar o fenómeno que mina as instituições do Estado. Aqui ficam algumas delas:

PS

Os socialistas querem consagrar o "princípio dos quatros olhos", segundo o qual qualquer decisão administrativa que conceda uma vantagem económica acima de determinado valor tem de ser assinada por mais do que um titular do órgão competente ou confirmada por uma entidade superior, e publicitada num portal online onde possa ser escrutinada por qualquer cidadão;

Criar uma pena acessória para os titulares de cargos políticos condenados por corrupção, o que, através de decisão judicial, poderá impedir a sua eleição ou nomeação para cargos políticos em caso de condenação pela prática de crimes de corrupção, a decretar judicialmente por um período até dez anos.

Instituir uma pena acessória para gerentes e administradores de sociedades que tenham sido condenados por crimes de corrupção, por forma a que possa ser decretada judicialmente a sua inidoneidade para o exercício dessas funções durante um certo período.

PSD

Dotar de melhores meios e instrumentos o Ministério Público e a Polícia Judiciária na investigação criminal (meios técnicos e informáticos, meios humanos e meios periciais).

Seleção e formação altamente especializada de magistrados, dotando os DIAP e os tribunais de Instrução Criminal de um corpo de magistrados, judiciais e do Ministério Público, com formação altamente especializada nos domínios relacionados com o crime de corrupção e criminalidade conexa, como a criminalidade económico-financeira, a criminalidade informática, a cibersegurança e a produção de prova digital.

Monitorização de setores de atividade específicos onde é maior o risco de corrupção e da criminalidade económico-financeira.

CDS

É essencial assegurar o recrutamento contínuo e perene para a Po­lícia Judiciária e o Ministério Público, a fim de não só serem preen­chidos os respetivos quadros - no caso da Polícia Judiciária em quase metade - mas também de garantir que as saídas por aposentação ou jubilação são compensadas.

Assegurar aos tribunais o apoio de um corpo de assessores especializados que do­minem cada uma das matérias envolvidas no combate à corrupção, designadamente as áreas económicas e financeiras ou contabilísticas e informáticas.

BE

Criminalização do enriquecimento injustificado, com confisco dos bens e taxar a 100% a "riqueza sem origem clara e acumulada abusivamente".

Fiscalização do património e dos rendimentos dos políticos e dos altos cargos do Estado por uma entidade para a transparência, com os recursos necessários para a sua tarefa.

PCP

Revalorizar a Polícia Judiciária, estancar a deterioração da situação operacional da polícia científica.

Dotar o Departamento Central de Investigação e Ação Penal das condições mínimas para uma resposta mais pronta e eficaz na luta anticorrupção, particularmente o reforço do quadro de procuradores, a disponibilidade permanente de peritos e de apoio técnico especializado, adequados às exigências de maior celeridade dos processos de maior complexidade na investigação da criminalidade económica e financeira.

PAN

Reforçar com meios humanos e materiais o Ministério Público e a Polícia Judiciária, promovendo a especialização de quadros no âmbito da investigação de crimes cometidos no exercício de funções públicas, como sejam os de corrupção, peculato e abuso de poder.

Alargar o conceito de denunciante às pessoas que não possuem qualquer relação de trabalho com a pessoa ou entidade em que são praticadas as irregularidades/crimes.

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