Comandos. Juíza atribui "dois crimes de homicídio negligente" ao médico
O tribunal considerou que "os factos" praticados pelos instrutores do 127º curso de Comandos configuram a prática de "dois crimes de homicídio negligente" por parte do médico Miguel Domingues.
No despacho a que o DN teve acesso esta sexta-feira, a juíza Cláudia Pina reconheceu "razão ao Ministério Público" por alegar "a existência de perigo de perturbação do inquérito" no caso do referido médico.
A juíza admitiu que o médico, "com o apoio dos demais arguidos intervenientes nos eventos, venha a influenciar testemunhas ou a manipular meios de prova ainda por obter"
Urge assim afastá-lo da unidade onde decorreram os eventos", assumiu a juíza, julgando ainda "suficiente [...] suspendê-lo da prestação de serviço no Regimento de Comandos e unidades de Saúde Militares".
O 127º curso de Comandos, que termina hoje com a entrega das boinas e crachás aos 23 instruendos que o concluíram, começou a 4 de setembro no Campo de Tiro de Alcochete sob temperaturas acima dos 40 graus centígrados e resultou na morte de dois dos 67 instruendos, além do internamento hospitalar de mais uma dezena nos três primeiros dias.
O médico, ele próprio militar comando, "não assegurou" aos instruendos que morreram "os cuidados médicos que o seu estado de saúde exigia, não prestou atenção ao seu agravamento e desinteressou-se do seu destino, ausentando-se do local, vindo o ofendido Hugo a falecer cerca de 15 minutos" depois, escreveu a juíza Cláudia Pina.
Acresce que "as explicações [dadas pelo médico] em interrogatório são claramente insuficientes, estando este apto a obter um socorro atempado aos ofendidos, ainda que no local não tivesse os meios necessários, mas não o fez, desinteressou-se e permitiu pela sua conduta omissiva que o resultado morte se viesse a produzir", sublinhou a juíza.
Cláudia Pina entendeu ainda que "os factos" apurados pelo Ministério Público (MP) configuram "um crime de ofensas à integridade física grave negligente" por parte de outros quatro arguidos: Hugo Pereira, Ricardo Rodrigues, Miguel Almeida e Nuno Pinto.
No caso dos arguidos Mário Maia (diretor do curso) e Pedro Fernandes, a juíza observou que "não tiveram uma intervenção relevante nos factos" e não os associou à prática de quaisquer crimes.
Os outros arguidos "não respeitaram as condições de segurança que estavam previstas no guião da prova, não fornecendo aos instruendos ofendidos água suficiente, como não cuidaram de assegurar que a prova se desenvolvesse em condições de segurança".
O tribunal assinalou ainda que era "claramente o objetivo dos arguidos, ainda que algo distorcido em alguns casos, preparar os instruendos para a guerra, para o primeiro embate numa frente de combate".
Os arguidos "pretendiam sujeitá-los a ofensas que os mesmos [instruendos] consentiram ao sujeitar-se ao curso e permanecer no mesmo, visando fortalecer a sua resistência física e psicológica", adiantou a juíza Cláudia Pina.
Cláudia Pina desvalorizou ainda o MP por qualificar a agressão a militares no âmbito da instrução "como um crime militar", considerando esse argumento "no mínimo rebuscado" por mesmo a morte dos dois instruendos não lesar "de modo relevante a defesa do Estado".