Colson Whitehead: "Racismo continua a existir na parte primitiva dos EUA"
O escritor Colson Whitehead é alto e magro. Se o compararmos com o seu discurso, não há assim tanta diferença pois fala alto e diz pouco. Responde com frases curtas e evita oferecer pontas para puxar pelo diálogo apetecível face ao romance entusiasmante que escreveu, A Estrada Subterrânea, vencedor dos prémios Pulitzer e National Book Award. Passou por Lisboa e revelou que se não fosse o romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, seria incapaz de encontrar o registo que pretendia para contar esta história sobre a escravatura norte-americana: "O meu problema era como criar a estrutura e encontrar uma voz para o narrador. Ele deu-me a ferramenta que mistura realismo e fantasia e foi inspirador".
Conta-se a história de que começou a escrever aos 10 anos. É verdade?
É verdade que quero ser escritor desde criança, mas o que fazia era mais ficção científica, banda desenhada e histórias sobre robôs. Os heróis de que se gosta naquela idade.
A fantasia era o que lhe agradava...
Quando fui para a universidade comecei a ler Joyce e outros autores que falavam do mundo, mas o que usava para contar as minhas primeiras histórias era a fantasia e a ficção-científica.
Este livro suporta-se num comboio que aparece muito pouco. Porquê?
Sim, o comboio é uma espécie de portal para se viajar de um estado para o outro. Se o tivesse escrito há dez anos, provavelmente o comboio teria um papel maior mas agora optei por dar mais força à protagonista de modo a contar a História da escravatura nos EUA.
Uma linha de comboio que não existiu...
Não é real, antes uma metáfora para as pessoas que montaram estruturas para ajudar os escravos a fugir para norte.
Porque tratar da escravatura agora?
É uma questão que faz parte da nossa História e da dos negros e porque ainda existe muito que não foi contado, pelo menos neste registo.
Com Trump volta a estar no debate?
Mais uma vez temos um Presidente que representa a supremacia branca e o seu objetivo é preservar a ordem dos brancos enquanto retira direitos às pessoas de cor. Veem-se avanços e recuos porque o racismo não desapareceu. O racismo continua a existir na parte primitiva dos Estados Unidos da América e vai continuar.
Não acredita no seu fim?
Muito pouco. Os meus pais e avós tinham como visão uma presidência negra, o que aconteceu, mas nunca esperavam que Trump aparecesse em seguida. Progressão e regressão são mundiais, não é só na América.
São editados muitos autores filhos de imigrantes afro-americanos e asiáticos que escrevem sobre a história das suas famílias. O que ganha a literatura com esta descendência?
Não faltam histórias sobre imigrantes chineses que nunca foram contadas, nem de outras partes do mundo. Não é bom nem mau, são apenas histórias. Creio que em termos de novas vozes estamos a esquecer as dos brancos deprimidas dos arredores, mesmo que possam não ser tão atraentes para ler.
A ideia para este livro nasce em 2000. Porquê tanto tempo para a escrever?
Achei que era uma boa ideia, mas não estava capaz de a pôr cá fora em termos de estrutura e das minhas capacidades à época. Fui escrevendo outros livros para me tornar melhor escritor, o que penso ter acontecido, e agora achei que tinha maturidade suficiente para contar uma história sobre escravatura. Se não tivesse esperado, poderia não ter conseguido do modo como fiz agora.
Não esperava um sucesso tão grande!
Não, mas sabia que a ideia era boa face às reações que o meu agente ia tendo.
Na sua investigação fez alguma descoberta ou é mais do mesmo?
A forma como conto é diferente, porque há muita gente que ataca a história da América. Quis contá-la segundo a perspetiva que me interessava.
Referiu que só escreveu este livro por causa dos seus filhos. É verdade?
É verdade que ao tornar-me pai o meu olhar sobre o mundo alterou-se e a investigação sobre escravatura mostrou que os jovens pensam no assunto e que questionam a vida dos seus antepassados que vieram de África.
Esperava este sucesso e traduções?
Não, fui publicado na Holanda, Alemanha e França, onde essa dinâmica da escravatura existia - tal como no Japão ou Portugal - e era um tema que interessava aos leitores. No entanto, como o livro é sobre a escravatura americana e a relação entre os poderosos e oprimidos é um cenário muito particular.
Usou muito do realismo mágico neste livro. Era a única forma de o escrever?
A primeira parte passa-se numa plantação na Geórgia e queria fazer a sua descrição antes de aparecer o comboio. O realismo tem o propósito de mostrar como vivemos na atualidade.
A intenção era escrever um romance e não um documento histórico?
Não pretendo ensinar as pessoas sobre a escravatura, nem criar um conceito para que se perceba esta parte da história americana - não é um ensaio. Um historiador tem a responsabilidade de avaliar tudo enquanto um romancista pode andar às voltas do assunto e inventar as personagens que interessem.
Foi uma investigação complexa?
Antes de começar a escrever li muitas narrativas de escravos e ex-escravos e investiguei as experiências médicas em negros na Carolina do Norte, depois fui deixando as coisas andarem, inspirado por muito do que tinha lido.
Após este sucesso vai ser fácil voltar a escrever um romance?
Por enquanto nem penso nisso. Terei outras condições mas continua a faltar tempo para escrever pois passo a maior parte dos dias a promover o livro.