Colégio aprovado. Ursula é presidente e Elisa Ferreira já é comissária
A equipa que compõe o poder executivo da União Europeia, nos próximos cinco anos, entrará em funções a 1 de dezembro, com o colégio composto por menos um elemento do que o atual número de Estados-Membros, uma vez que o governo britânico não indigitou um comissário.
Ursula von de Leyen apresentou o seu programa e os comissários indigitados, em Estrasburgo, esta quarta-feira, perante os eurodeputadas, na expectativa de conseguir luz verde para a sua equipa. Antes da votação, os eurodeputados debateram as prioridades políticas da nova presidente do executivo de Bruxelas.
Na votação participaram 707 eurodeputados, tendo 461 votado a favor e 157 contra. Houve ainda 89 abstenções.
No elenco liderado por Ursula von der Leyen, a vice-governadora do Banco de Portugal, Elisa Ferreira assumirá a pasta da Coesão e Reformas. "Esta é uma pasta antiga, mas que precisa de ser permanentemente reforçada e renovada", afirmou a comissária portuguesa, na primeira vez que se deslocou ao Parlamento Europeu, depois de ter sido indigitada, tendo vincado na altura que "a política de coesão existe desde os anos 70, e é uma política que tem de estar presente".
Para a nova titular da pasta da Coesão é necessário "reforço" desta política, "à medida que se aprofunda e alarga a União". Porém, esta política - que teve alguns reforços históricos -, nos últimos tempos não teve propriamente esses reforços".
"Portanto, não só tem de ter verbas", como é também preciso que haja a "a capacidade de se ir ao terreno e ver se a nossa intenção está a ser concretizada e materializada", disse em declarações registadas antes das audições que conduziram, em menos de dois meses, à aprovação desta quarta-feira, em Estrasburgo.
"A outra dimensão" do dossiê que Elisa Ferreira vai gerir em Bruxelas "é a das chamadas reformas estruturais". Ainda na qualidade de comissária indigitada tinha afirmado que "os países - sobretudo aqueles que estão na zona euro - estão muito manietados, em termos de capacidade orçamental, para estimularem políticas de convergência efetiva", no fundo "políticas que façam com que a economia seja mais capaz, mais competitiva".
O que acontece agora é que "efetivamente" esses estímulos à economia são "contidos", já que os governos são confrontados com a necessidade de "cumprir o Pacto de Estabilidade".
"Há neste momento uma abertura para que surjam condições, para que os países implementem políticas" de reformas ao nível estrutural, como já acontece atualmente, no âmbito do chamado Semestre Europeu, nomeadamente no pacote das recomendações específicas por país. A diferença surge agora, com a possibilidade de haver um montante destinado a financiar essas reformas".
À esquerda, a iniciativa da Comissão Europeia não escapa à crítica. O deputado comunista, João Ferreira lamentou que "o dinheiro da [política de] Coesão - que é já cada vez menos -, seja também cada vez mais condicionado na sua utilização".
"Querem por o dinheiro da Coesão a financiar as reformas estruturais, que nós sabemos o que querem dizer", afirmou João Ferreira, dando como exemplos "a desregulação do mercado laboral, privatizações, liberalizações de novos setores de atividade económica, ou seja, toda a agenda neoliberal da Comissão Europeia".
"Veremos como a comissária portuguesa vai atuar, mas a ideia que dá - pela audição que foi feita -, é que interiorizou esta visão e esta conceção, que é de há muito a da Alemanha, e que agora é formalmente imposta no colégio de comissários", considerou.
Já o centrista Nuno Melo vinculou "o sucesso do mandato de Elisa Ferreira à capacidade de garantir que não há cortes [nos fundos europeus] para a Agricultura e para a política de Coesão, relativamente a Portugal".
"A comissária portuguesa, na sua área, em particular, é uma grande especialista, e a pasta não poderia estar mais bem entregue", afirma o social-democrata, Paulo Rangel. "Vamos ver no MFF [acrónimo em inglês para orçamento de longo prazo da UE], que não é muito positivo nós termos esta pasta, porque cria um certo conflito de interesses: a comissária não poderá puxar muito por nós".
O socialista Carlos Zorrinho afirma porém que "nós estaremos vigilantes, contamos que a Comissão Europeia seja nossa aliada, para conseguirmos um quadro de financiamento que permita que não exista redução nas políticas de coesão", bem como em outras áreas de política, como a "Agricultura ou a transição digital".
A rejeição do colégio de comissários "seria uma surpresa", para vários deputados, que já antes comentaram com DN as suas expectativas quanto ao resultado que agora veio a confirmar-se.
Ursula Von der Leyen e a sua equipa terão agora de dar resposta a desafios como as alterações climáticas, que foi uma das bandeiras do discurso, nomeadamente apresentar, nos primeiros 100 dias de mandato, um plano para fazer da Europa o primeiro continente a atingir a neutralidade carbónica.
"Se há uma área em que o mundo precisa da nossa liderança é na proteção do nosso clima. Esta é uma questão existencial para a Europa e para o mundo. Como pode não ser existencial quando 85% das pessoas em situação de pobreza extrema vivem nos 20 países mais vulneráveis às alterações climáticas? Como pode não ser existencial quando vemos Veneza submersa, as florestas de Portugal em chamas ou as colheitas na Lituânia reduzidas a metade devido à seca?", afirmou Von der Leyen no Parlamento Europeu.
Nesta mesma câmara, Socialistas e Liberais lembrá-la-ão, ao longo dos próximos cinco anos, que se propôs a fazer cumprir os princípios do Estado de Direito. Os liberais, por exemplo, exigem-lhe "clareza e um compromisso inequívoco", com a defesa de um mecanismo europeu, que possa desencadear "sanções" aos Estados-Membros, que ponha em causa "os valores europeus, que são inegociáveis".
Em matéria de migrações, Ursula comprometeu-se sempre a "reduzir a migração irregular, combater contrabandistas e traficantes", ao mesmo tempo que "preserva o direito de asilo e melhorar a situação dos refugiados", incluindo "através de corredores humanitários", em estreita cooperação com o ACNUR. Precisamos de empatia e ação resoluta.
Ainda antes de apresentar medidas ambientais, Ursula enfrentará a perda de um Estado-Membro, se o Brexit se consumar a 31 de janeiro, como até agora está previsto. "Tratá-los-emos com justiça e respeito, mormente no que diz respeito aos acordos comerciais. Mas, temos sido sempre muito claros, para os nossos amigos britânicos, de um país terceiro, não poderá beneficiar das mesmas regalias, dos de um membro da União Europeia", afirmou no discurso em Zagreb, que serviu de antecâmara da declaração que fez hoje perante o Parlamento Europeu.
Convém lembrar que a nomeação de Ursula von der Leyen foi um dos processos mais controversos, para a decisão sobre a liderança do poder executivo, em Bruxelas, principalmente, por ter sido abandonado o modelo do spitzenkandidat. O método foi experimentado pela primeira -- e única -- vez, em 2014, quando Jean-Claude Juncker venceu as eleições na lista do PPE.
Para evitar um braço de ferro com o Parlamento Europeu, e agilizar o processo de nomeação, que no seu caso demorou 51 dias, até ao final da legislatura, Ursula von der Leyen poderá ter de encontrar uma solução para a escolha "mais democrática" do líder do executivo comunitário.