Colados à solidão de William Dafoe
A analogia tem piada: e se a nossa sensação de pânico perante uma exposição de arte moderna for transportada para um thriller sobre agonia de sobrevivência? Não é mesmo anedota, é um recado pós-moderno tão eficaz como tremendamente saboroso. Assim é a primeira obra de Vasilis Katsoupis, porventura a surpresa fora do baralho deste ano da Berlinale.
O conceito é simples: uma hora e quarenta cinco minutos de monólogo: Dafoe, o seu corpo e um só cenário. Willem Dafoe é aqui o ladrão de arte mais azarado do mundo. Num assalto a solo fica preso numa penthouse de luxo de um arranha-céus de Nova Iorque. Este homem que nunca vamos saber o nome vê-se encurralado quando saía do sofisticado apartamento com arte roubada. Percebemos que o apartamento é uma verdadeira fortaleza tecnológica e que o seu dono está na Ásia e não deve voltar tão cedo. Para piorar as coisas, este deslumbrante "panic room" está insonorizado e autónomo do exterior. Para se manter vivo, este homem tem de ser engenhoso até aos limites. Sozinho, durante semanas vai sobrevivendo através da água da rega de uma árvores interiores e de algumas conservas que encontra. Lá fora, do mundo real, apenas lhe resta um sinal das câmaras de segurança do prédio.
Inside tem a proeza de nunca ser aborrecido ou preso à inércia. Neste ensaio ao temas da solidão moderna, pensamos em Robinson Crusué isolado num paraíso de betão, mas o que dá realmente prazer é o convite para ficarmos presos perante um corpo, um rosto. Só resultaria com um ator cujo rosto pode ser uma sugestão de muitos mundos, claro, o de Willem Dafoe, aqui em absoluta performance física, da decadência à vitalidade extrema. Um ator em movimento filmado com uma animalidade nova. A instalação do filme é essa mesma, por muito que o tema do mundo das artes plásticas seja a proposta. Um mundo entre o vazio e a aparência do sublime. A arte e o comércio... O realizador estreante está a esfregar na cara do espectador o quão tudo isso é supérfluo.
Vasilis Katsoupis é sempre portador de uma noção da qual o cinema é território de uma exploração da alma que se aproxima da mais pura transcendência. Este "huis-clos" é então a forma de nos deixar entontecidos perante a prisão-armadilha que é a casa de arte. Uma experiência que nos faz pensar em como estamos presos a tantos atos de consumo e serventia dos hábitos burgueses ou de como a arte escondida nos apartamentos dos milionários aprisiona. Aquele apartamento é mais do que uma metáfora da futilidade de um mundo dos privilegiados. É maioritariamente um espaço de cinema, uma antecâmara de um sucedâneo de purgatório. Nesta instalação humana há igualmente uma ideia de provocação: sermos ilhas de nós mesmos. O fulgor efémero dessa constatação vale o que vale, aliás, como qualquer art project. Nem de propósito, a estética e o formalismo cromático faz com que esta partilha de angústia assuma uma estética geométrica de uma malandrice cínica. Às tantas, torna-se quase impossível desviar o olhar. Insisto, a culpa da curiosidade voyeur é implantada inconscientemente e é difícil não querer espreitar.
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