Foi quase a conta-gotas que Cláudia Pascoal foi dando a conhecer o aguardado álbum de estreia, cujo título, um mero ponto de exclamação, não podia ser mais simples nem tão-pouco mais direto na declaração de intenções da artista outrora conhecida como "a cantora do cabelo cor-de-rosa". Primeiro surgiu Ter e não Ter, um single "terno e delicado", mais próximo, talvez, da imagem, também ela terna e delicada, com que em 2018 venceu o Festival da Canção, com o tema O Jardim, da autoria de Isaura e com o qual também representou Portugal na final de Eurovisão, nesse ano realizada em Lisboa..Seguiu-se depois o dueto com Samuel Úria, Viver, uma canção de celebração da vida em registo intimista, totalmente contrastante com a pop dançante de Espalha Brasas, o mais recente single, no qual, com muito humor e boa disposição à mistura, fala da "autodeterminação feminina". Tal como nesta pequena amostra, também em !, o álbum que nesta sexta-feira chega às plataformas digitais (e algures mais tarde, quando a pandemia o permitir, também às lojas físicas), Cláudia Pascoal vagueia sem preconceitos por diversos territórios musicais, tendo sempre como bússola uma assumida atitude pop, que lhe permite falar, por vezes, de coisas sérias como se estivesse a brincar. .Se a pop é suposto ser divertida e descomplicada, então Cláudia Pascoal é sem dúvida uma artista pop, como tão bem se comprova neste disco, que funciona como um espelho da personalidade da autora, como a própria explica nesta entrevista ao DN..Além de diversos temas próprios, ! conta também com composições de diversos pesos-pesados da música nacional, como David Fonseca, Joana Espadinha, Pedro da Silva Martins e Luís José Martins (Deolinda), Miguel Lestre (Prana), Samuel Úria ou Tiago Bettencourt, considerado por Cláudia Pascoal como "um mentor" e que teve ainda a seu cargo a produção do disco. Outra participação, também digna de registo, ou se calhar nem por isso, é a do humorista Nuno Markl. Aparece logo na primeira faixa, PPPFFFRRR, a implorar para Cláudia o deixar cantar, o que só acontece no tema de encerramento, Música de Um Acorde, mas apenas por alguns segundos - felizmente..Para começar há uma pergunta que se impõe: porque é que afinal nunca deixa o Markl cantar? Vou ter de corrigir essa pergunta! Na última música do álbum deixo não só o Markl cantar, como lhe dou um solo da música. Ele merece tudo!.Qual foi a lógica do lançamento dos singles, mostrar a diversidade do álbum? Sendo um trabalho assumidamente pop, o álbum acaba por passar por diversos universos musicais, inclusivamente pela música mais tradicional, como no tema Quase Dança, que não sendo um dos singles escolhidos é uma das faixas mais orelhudas do disco. A Ter e não Ter foi escolhida como primeiro single porque, na verdade, na altura em que a lancei ainda não tinha um álbum, mas sim apenas uma maqueta do mesmo. E por isso foi a escolha óbvia. Depois, já com o álbum finalizado, escolhi as músicas que mais me traduziam. Mas por mim ainda lançava a Quase Dança e a Tanto Faz também como singles, pois representam os meus dois mundos: o mais infantil e o de ser adulta..Uma dualidade que também se sente na temática das letras, ora bem-dispostas e até de certa forma irónicas ora mo modo como aborda assuntos muito sérios. Esta opção é também um reflexo da sua própria personalidade? Completamente, sim! Gosto de dizer coisas sérias de forma descontraída, ou até, se possível, de uma forma parva. Acho que o álbum me traduz bem nesse sentido. Mas também existe um crescimento que se desenvolve ao longo do álbum, tal como eu cresci nestes dois anos, durante a construção do !..Rodeou-se para isso de uma verdadeira equipa de luxo. Como é que esses artistas surgem aqui? Quando comecei a idealizar o álbum percebi rapidamente que precisava de alguma ajuda. Comprometi-me a escrever metade do mesmo e a outra metade fui pedir ajuda a alguns artistas que já admiro há muitos anos. Tive a imensa sorte de todos eles terem aceitado o desafio e fiquei muito feliz na forma como todas as músicas se encaixaram, tanto no álbum como na minha personalidade..Deu-lhes algumas orientações sobre o estilo das músicas ou a temática das letras? Sim, claro, mas isso variou de artista para artista. Uns já me conheciam e estavam a par do que queria fazer, outros foram-me conhecendo durante este processo. Mas todos eles acertaram à primeira!.Qual a diferença entre cantar as suas próprias palavras e melodias ou as de outros? Consegue identificar-se da mesma forma com as canções? É sempre diferente! Mas todas as músicas que foram escritas para mim, neste álbum, sinto-as como se fossem minhas, canto-as como se fossem criadas por mim, porque, lá está, foram criadas e produzidas no mesmo mundinho, no meu mundinho..E porquê a escolha do Tiago Bettencourt para produtor do disco? O que é que ele trouxe à sua música? O Tiago não só produziu o álbum, como tomou o seu tempo para me ensinar a "andar nesta coisa da música". Foi ele que me ajudou a encontrar uma identidade musical, que antes disso estava só meio esboçada. Ele tornou-se não só um mentor como um grande amigo..A ter de escolher apenas uma, qual seria a canção do disco que melhor a define? Isso varia de semana para semana. Depende do humor com que estou e como vejo o mundo. Agora talvez a Tanto Faz, uma música que aborda o tema como nós, humanos, achamos por vezes que as nossas ações não valem muito, quando na verdade somos nós que fazemos toda a diferença, seja por pequenos gestos ou grandes decisões. E tenho pensado muito nisto porque, nos dias em que vivemos, o ato de ficar em casa faz toda a diferença, por exemplo. Este exercício de nós valorizamos o objetivo do bem comum é, por vezes, difícil, mas muito importante. E agora mais do que nunca!.Passados dois anos de ter vencido o Festival da Canção e de ter participado na Eurovisão, o que ficou dessa experiência? Apenas coisas positivas! Guardo alguns momentos que ainda me apertam a barriga, devido à adrenalina e `a felicidade do momento. Acima de tudo foi uma honra ter representado o meu país..Como é que a presente situação de pandemia, que há pouco referiu, a afetou enquanto artista? Obrigou-a a criar novas rotinas criativas? Foi um processo de adaptação, como está a ser para todos. Fiquei um pouco inquieta ao saber que já não ia dar os meus primeiros concertos, para apresentar este projeto, mas o que se está a passar é inevitável e temos de reunir forças e continuar a comunicar a música de outra forma. E estou a divertir-me muito ao fazê-lo. Ficar em casa nestes dias tem-me trazido uma criatividade que já há algum tempo estava adormecida.