Foi a 17 de maio de 2011 que Portugal assinou o memorando de entendimento com a troika para o resgate financeiro do país. Três anos depois, na mesma data, o Programa de Ajustamento terminou. Durante estes 36 meses cresceu o desemprego, a pobreza aumentou e as instituições e organizações de apoio social viram-se confrontadas com inúmeros pedidos de ajuda. Cinco anos depois do fim do período de condicionamento financeiro, a Cáritas e o Banco Alimentar contra a Fome reconhecem que "a situação é diferente, há uma nova dinâmica económica". Os pedidos de ajuda - durante a troika muitos eram mesmo para ter comida na mesa - são menos. O que não significa, adiantam Eugénio Fonseca e Isabel Jonet, que a pobreza estrutural tenha diminuído. Está à espreita e ao mínimo percalço podemos ter nova situação de emergência.."Há uma nova dinâmica económica que se reflete no rendimento das pessoas. O número de pedidos de apoio baixou bastante, o que não quer dizer que tenha diminuído o espaço da Cáritas e as ajudas prestadas", disse ao DN Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Diocesana. Para este dirigente, é evidente "que diminuiu o desemprego". Contudo, "ainda há 300 mil desempregados e muitos são de longa duração", a que acresce o elevado número de pensionistas com baixos rendimentos..Isabel Jonet, que dirige o Banco Alimentar contra a Fome, tem uma análise muito semelhante. "Hoje a situação é diferente, a economia melhorou e não há os mesmos casos resultantes de pobreza conjuntural", como aconteceu no período entre 2011 e 2104. O Banco Alimentar entrega os bens alimentares a instituições e, desde 2014 até ao presente, "o número de pedidos reduziu-se, com exceção de Setúbal. É uma região que tem muitos imigrantes e com a falta de obras públicas, de que muitos dependiam para trabalhar, existem várias bolsas de pobreza no distrito", explica a economista que dirige a organização baseada no voluntariado.."A pobreza estrutural não abrandou. Há um milhão de pessoas que vive com pensões de 250 euros por mês. Estas vivem igual, são pobres", resume Isabel Jonet, numa ideia que o presidente da Cáritas também valoriza. "Há pessoas cujo ciclo de vida é a permanência na pobreza. A referência deve ser a percentagem de pessoas que estão na pobreza. Há dois milhões de pobres em Portugal, apesar da taxa de desemprego, nos 5%, ser baixa", refere Eugénio Fonseca..Menos gente, mais regular.Tendo em conta a experiência da sua instituição, o presidente da Cáritas diz que, "embora haja menos gente a pedir ajuda, aparece mais vezes a mesma pessoa. Os necessitados passaram a ser regulares. Não basta dizer que há uma nova dinâmica económica. Muitas pessoas, apesar de trabalharem, não deixam de ser pobres. O rendimento que têm não é suficiente para fazer face aos gastos mensais com renda da casa, luz, alimentação, educação e saúde", avalia..Este responsável acrescenta que é "injusto que quem trabalha não tenha uma efetiva autonomização" devido aos baixos salários, entre 500 e 600 euros. "Trabalhar não significa sair da pobreza e o governo deve tomar medidas para acabar com a pobreza estrutural", diz..A Cáritas presta apoios em ajuda alimentar ou subsídios para pagamento de eletricidade, água, cuidados de saúde, educação. Se nos centros urbanos o motivo é o custo de vida, "no interior a saúde mental é um problema". Explica que "há muitos pensionistas que recebem muito pouco por mês e não conseguem fazer face ao custo dos medicamentos. Houve redução de preços mas não nesta área, em que os medicamentos são caros. A solidão é um problema nas regiões com menos população" e cria situações complexas a nível de saúde e bem-estar. Em 2018, a Cáritas apoiou mais de 125 mil famílias, o que face ao período da troika resultou numa redução de 6%..Crédito para "tapar buracos".Isabel Jonet fala também do "muito emprego precário" e na situação de "muitos desempregados que deixaram de constar nas estatísticas". Diz a presidente do Banco Alimentar contra a Fome que "a classe média-baixa, com salários de 500/600 euros por mês, é pobre". Juntando o milhão de pensionistas com baixo rendimento, temos "um quinto da população a viver na pobreza.".Mesmo com mais gente empregada e com salário, fruto de "melhor situação económica", há "quem não consiga fazer face às despesas. Juntando a renda da casa, a eletricidade, a água, a educação e a alimentação há famílias sem rendimento suficiente para as despesas". Há ainda "situações perversas, nos casos em que quem ganhe 700 euros já é tributado no IRS, sendo penalizado no rendimento mensal"..Isabel Jonet diz que o "recurso ao crédito voltou como forma de colmatar estas lacunas. É muito preocupante, isto degrada o que já se construiu. Recuperou-se a confiança dos consumidores, mas há situações que não são sustentáveis"..A primeira campanha de recolha de alimentos de 2019 irá realizar-se nos dias 25 e 26 de maio, no que "será um barómetro para saber se a generosidade dos portugueses se mantém". Para Isabel Jonet, os portugueses podem ter a ideia de que atualmente não é tão urgente apoiar as instituições devido à conjuntura económicas mas não deixaram de ser solidários. "Há uma dispersão da generosidade, já não se sente a urgência nacional que havia no tempo da troika, mas as pessoas continuam muito abertas a apoiar, só que dirigem a sua atenção para outros necessitados, como se viu recentemente com as cheias em Moçambique.".Com 40 mil voluntários, o Banco Alimentar e as campanhas que faz são também uma forma, afirma Jonet, de manter ativo o voluntariado. "É importante. Faz que as pessoas tenham consciência dos problemas sociais. Não é só nos períodos de maior emergência que os voluntários devem estar disponíveis", considera, até porque "se houver uma pequena crise isso reflete-se logo no emprego e a linha para uma nova crise é muito ténue"..Escolas com melhor resposta.Nas escolas também se viveu um período complicado. Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, recorda que no período da troika foi necessário uma intervenção. "Nessa altura era frequente haver crianças que chegavam às escolas sem tomar pequeno-almoço. Havia uma situação de emergência e urgência. Não podemos ter alunos com fome e muitos deles ficarem envergonhados com isso", aponta o dirigente..Sem uma relação direta com a troika, entre 2012 e 2015 funcionou o PERA - Programa Escolar de Reforço Alimentar, em que os estabelecimentos recebiam bens alimentares para os alunos, um programa com uma vertente também pedagógica de criação de hábitos alimentares mais saudáveis. "Teve sucesso e foi muito útil. As escolas recebiam alimentos para que os alunos tivessem pequeno-almoço garantido", analisa o diretor de escola em Vila Nova de Gaia que foi muitas vezes levantar alimentos para o pequeno-almoço dos alunos..Hoje, o panorama é diferente. Não só a conjuntura económica melhorou como as próprias escolas dispõem de outra autonomia. "As coisas estão melhores, as escolas já respondem de outra forma às carências, usando os recursos financeiros próprios para garantir essa alimentação", refere Filinto Lima, convicto de que os problemas vividos no período da troika já não são muito comuns nas escolas portuguesas.