Christian Petzold pára o trânsito no LEFFEST

Hoje e amanhã é exibido no LEFFEST <em>Transit</em>, de Christian Petzold, filme que imagina uma Europa ocupada nos dia de hoje, e onde os refugiados da escritora Anna Seghers têm simbolismos do presente. Em Berlim, o cineasta explicou ao DN o seu atrevimento.
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Um acontecimento no LEFFEST. O novo filme do realizador alemão mais aclamado da atualidade, Christian Petzold, o autor de obras como Yella e Phoenix, chama-se Transit e é baseado no livro homónimo de Anna Seghers, precisamente o romance preferido do cineasta. Uma adaptação verdadeiramente livre de uma história situada na Segunda Guerra Mundial mas que aqui se passa nos dias de hoje, em plena Marselha, com refugiados a tentar sair da...Europa. Ou seja, são os europeus que querem partir de uma Europa ocupada.

Transit é um filme de gente perdida, de gestos desencontrados e de distopias bizarras. Está lá a herança do nacionalismo extremado mas está também uma sombra de um estilo que nos remete para um Wim Wenders de outras andanças, de outras zonas...

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Em Berlim, numa sala lateral do Palast da Berlinale, Petzold está tranquilo enquanto nos diz que Lisboa é uma das suas cidades preferidas. Lisboa, nem de propósito, cidade que tal como Marselha, parece preservar uma intemporalidade cinematográfica.

"Já percebi que estão a dizer que este Transit é uma mistura de Kafka com Casablanca. Parece-me bem: aliás o romance de Anna Seghers tinha uma citação de Kafla que eu fiz questão de manter. O meu filme é verdadeiramente um melodrama kafkiano. Curiosamente, em 1939 ela escreveu o romance A Sétima Cruz, que deu direito a uma adaptação de Hollywood, com Spencer Tracy. Apesar de ser comunista, a Anna adorava cinema americano e o agente que tratou de A Sétima Cruz chegou a informá-la de que Casablanca, o filme, estava na forja! Diria que há elementos de Transit que poderão ter inspirado o filme de Curtiz...É claro que não há provas disso...", conta ao DN enquanto fuma uma cigarro eletrónico.

Mais à frente fala-nos da decisão de levar esta história para os nossos dias: "Com isso não estou a fazer nenhum tipo de equação espaço-temporal que diga que o passado é igual ao presente. A minha decisão passou por querer fazer um distanciamento horizontal. Uma distância temporal por exemplo entre a Europa e os EUA, mas, ao mesmo tempo, operar também uma distância vertical, ou seja, aquele ponto em que as pessoas podem ficar presas no tempo. Esta história de refugiados que a Anna Seghers escreveu talvez consiga servir como um simbólico acordar brutal da Alemanha. Não esquecer que a lei do asilo político aqui na Alemanha nasceu de uma necessidade de aprender com os erros e devido ao sentimento de culpa que ainda carregamos. O problema é que essas leis que permitiam receber sem condições exilados estão a ser cada vez mais retalhadas...".

Transit tem leituras óbvias com as questões atuais políticas, em especial com o ressurgimento das novas vozes fascistas. Talvez por isso, os fantasmas do passado têm de estar no presente. E a própria voz off que ouvimos é muito diferente da de Bruno Ganz em As Asas do Desejo: "Pois é", diz a concordar: "é mais terrena e materialista. É um empregado de bar que observa os refugiados. Sou dos acredita que os melhores contadores de história estão sempre fora do centro das atenções. Com esta narração queria aludir à tradição oral. Depois de conhecermos esta história um de nós terá de passá-la para outras pessoas. Só que este nosso narrador não é de fiar muito - imagina beijos que nunca acontecem".

Numa competição no LEFFEST que tem nomes como Brady Corbet (Vox Lux, provavelmente o melhor filme do festival), Ethan Hawke (Blaze, biografia bem simpática de Blaze Foley) e Richard Billinghan (notável o seu Ray & Liz), a vitória deste favorito nato não está no papo, mas é bem possível que na cerimónia de prémios deste fim de semana o cineasta alemão seja obrigado a vir a Lisboa receber o prémio do LEFFEST, desenhado pelo artista radicalmente cinéfilo Julião Sarmento...

Terça-feira, às 18h no Monumental, Lisboa

Quarta-feira, às 18, no Olga Cadaval, Sintra

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