China assume-se como líder na construção da "nova era mundial"

Congresso do PC Chinês marca reafirmação do poder de Xi Jinping e ratificação da política dos últimos 5 anos. Xi propõe-se levar o país a um lugar no "centro do palco mundial".
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Consolidação plena da liderança de Xi Jinping, reafirmação de um "socialismo de características chinesas" e garantia da abertura da China ao mundo - o 19.º Congresso do Partido Comunista Chinês anunciou uma "nova era" que deverá levar o país ao "centro do palco mundial". Xi Jinping viu o seu pensamento consagrado na Constituição do partido, condição só até agora reconhecida ao fundador da China comunista, Mao Tse-tung, e a Deng Xiaoping, o grande reformador.

O Congresso ratificou assim a linha seguida por Xi Jinping no seu primeiro mandato, marcado por um significativo desenvolvimento, um forte surto de modernização e uma crescente afirmação da China no palco mundial. "Milagres" amplamente sublinhados pelo líder chinês no seu discurso de três horas e meia, e garantidos fundamentalmente através de uma política de centralização e de reforço do controlo do partido sobre a vida económica e social do país.

No capítulo económico, sublinha o New York Times, as células do partido passaram a exercer um controlo apertado sobre as atividades tanto das empresas domésticas como do investimento estrangeiro, de forma a garantir que os mesmos se ajustam aos objetivos do país.

Os cinco anos do primeiro mandato de Xi Jinping ficarão marcados por uma campanha anticorrupção que atingiu todos os setores do país - das empresas públicas ao exército e às lideranças provinciais, da burocracia à educação, e que resultou na punição de mais de um milhão de funcionários - e que foi vista pelos sinólogos como uma purga massiva que permitiu a Xi afastar opositores e possíveis rivais e neutralizar fações independentes.

Esse reforço do controlo do partido traduziu-se ao mesmo tempo numa política mais autoritária, e no reforço da censura, na asfixia da liberdade de expressão e na maior pressão sobre todas as formas de dissidência denunciadas ao longo dos últimos anos por ativistas e organizações dos direitos humanos e por observadores internacionais.

O traço mais notado pelos observadores no Congresso terá sido a ausência de um sucessor designado de Xi Jinping, rompendo com a prática seguida pelo partido nos últimos anos. Depois das purgas e divisões que marcaram as sucessões de Mao e Deng, o partido estabeleceu o padrão de promover com antecedência ao Comité Permanente os candidatos à sucessão - como aconteceu com Xi e o antecessor, Hu Jintao - e de limitar a dois o número de mandatos dos líderes.

A idade dos novos membros do Comité Permanente, todos na casa dos 60, coloca-os fora da sucessão, de acordo com uma norma semioficial que aponta os 68 anos como idade limite para o exercício de cargos de direção na China. Uma situação que - notam muitos observadores da cena política chinesa - não deixa de levantar uma série de interrogações quanto ao futuro da liderança chinesa depois do segundo mandato de Xi Jinping.

Xi e os seus próximos garantem agora o controlo de quatro fontes de poder fundamentais no sistema chinês - assinala Phillip Orchard na Geopolitical Futures. O Comité Permanente e o Politburo, a Comissão Central para a Inspeção Disciplinar, responsável pela campanha anticorrupção, e o Exército de Libertação do Povo, cujas cúpulas foram amplamente remodeladas por Xi, e os serviços de segurança. A consagração oficial do "pensamento de Xi Jinping" assegura-lhe o controlo da ideologia e das linhas de ação do partido.

O líder chinês traçou perante o Congresso um plano global para o desenvolvimento da China nos próximos 30 anunciando uma "nova era" na construção do "socialismo com características chinesas", interpretada pelos observadores como um terceiro capítulo na evolução da China moderna, depois da unificação do país por Mao e das reformas de Deng Xiaoping.

Xi Jinping prometeu "aprofundar firmemente e sem hesitação" as reformas económicas no país e garantiu que a China "não fecharia as suas portas ao mundo", propondo--se mesmo baixar as barreiras para os investidores estrangeiros.

Reafirmou, porém, a especificidade da via chinesa para o socialismo e garantiu que está fora de causa seguir qualquer "modelo estrangeiro" numa presumível referência à democracia liberal. Ao mesmo tempo, os media oficiais da China multiplicavam denúncias das "mentiras" da democracia ocidental e dos falhanços do capitalismo, sistema "atolado na crise e no caos".

Desafio ao dólar

Xi Jinping disse que a China entrou numa "nova era" e que deverá transformar-se numa "grande potência" e "assumir o palco central no mundo". O líder chinês referiu-se especificamente ao plano militar dizendo que o país deverá desenvolver "forças armadas de primeira classe" e, sublinhou, "prontas para combater". Xi Jinping propõe-se continuar a expandir a influência da China através de iniciativas como o programa de infraestruturas globais conhecido como One Belt, One Road ou o projeto de construir ilhas artificiais nas disputadas águas do mar do Sul da China.

A China deverá mesmo assumir um papel de liderança, e "guiar" a comunidade internacional "a caminho de uma nova ordem mundial mais justa e racional". Xi assinalou ainda que o rápido progresso do país sob o "socialismo com características chinesas" mostra que há "uma nova escolha para outros países e nações que pretendam acelerar o desenvolvimento, mas preservando a sua independência".

No seu primeiro mandato, Xi Jinping deu também sinais de querer fazer da China um pivô do comércio livre e da globalização, vincando o contraste com as políticas defendidas pela atual administração americana. Na cimeira de Davos, no início do ano, o líder denunciou as tendências protecionistas no comércio internacional, e defendeu o acordo climático de Paris no momento em que Donald Trump anunciava a retirada dos EUA.

O projeto chinês de introduzir contratos petrolíferos em yuan constitui uma expressão clara e de vastíssimo alcance desta assertividade do país na cena planetária. O lançamento do petro-yuan prevista para os próximos dois meses, representa um desafio formidável aos EUA e à hegemonia do dólar e conta já com o apoio doutros países, nomeadamente Rússia e Irão - a procura de alternativas à moeda americana tem sido há muito um mote nos discursos de Vladimir Putin.

É assim um líder plenamente confiante no seu controlo do poder e no apoio do partido à sua política que se prepara para acolher Trump no próximo mês em Pequim.

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