Chilenos olham para os extremos para eleger o sucessor de Piñera
Cerca de 15 milhões de eleitores chilenos vão neste domingo às urnas para escolher o sucessor do presidente Sebastián Piñera, que em plena campanha eleitoral sobreviveu a um processo de impeachment. Num momento de mudança no país, que está a recuperar da crise causada pela pandemia e a reescrever a Constituição herdada do regime de Pinochet, as sondagens indicam que estas são as presidenciais mais polarizadas de sempre. Os eleitores estão a fugir do centro e a procurar os extremos, com o favorito José Antonio Kast, o "Bolsonaro chileno", a ter como principal adversário o antigo dirigente estudantil Gabriel Boric, que quer que o Chile, depois de ter sido o "berço" do neoliberalismo, seja agora o seu "túmulo".
A Constituição estipula que o presidente pode cumprir um mandato de quatro anos, sem hipótese de reeleição imediata. Desde 2006 que só houve dois chefes de Estado que se revezaram no cargo: Michelle Bachelet, a socialista que pertencia à antiga Concertação (aliança de centro-esquerda), e Piñera, o empresário milionário da atual coligação Chile Vamos (aliança de centro-direita). Nestas eleições, nenhum deles está na corrida e os eleitores procuram alternativas às velhas políticas - não terá ajudado o processo de impeachment contra Piñera, que foi chumbado no Senado, desencadeado por revelações dos Panama Papers a envolver a família do presidente na venda de uma empresa mineira com recurso a offshores.
Nesse sentido, nem o candidato do Chile Vamos, Sebastián Sichel, nem a do Novo Pacto Social (herdeira da Concertação), Yasna Provoste, são os favoritos. À frente nas sondagens está Kast, fundador do Partido Republicano, que rejeita a etiqueta de extrema-direita, mas é conhecido por defender a ditadura de Pinochet (alega que no golpe em 1973 os chilenos "escolheram a liberdade" ao "impedir a revolução marxista"). É contra a mudança na Constituição (o próximo presidente enfrentará o referendo ao novo texto no primeiro ano de mandato), quer dar mais liberdade de ação ao mercado e reduzir a participação do Estado na economia.
O seu principal adversário, que está em segundo lugar nas sondagens, é Boric, da aliança Aprovo Dignidade (que inclui o Partido Comunista).Tem 35 anos e pode tornar-se no mais jovem presidente do Chile. O ex-líder estudantil nos protestos de 2011, entretanto eleito deputado, sugere rever o sistema de pensões e fazer uma reforma fiscal, que passará pelo aumento dos impostos das grandes empresas, não sendo por isso bem visto pelos mercados. No início de novembro, o facto de ter testado positivo para a covid-19 obrigou os adversários a isolar-se e cancelar eventos de campanha, porque todos tinham estado num debate presencial.
Com sete candidatos na corrida, tudo indica que haverá necessidade de ir a uma segunda volta, a 19 de dezembro - num duelo entre Kast e Boric, o primeiro surge mais bem colocado para vencer. Mas as sondagens, que só podem realizar-se até 15 dias antes do dia da votação, têm falhado nos últimos anos no Chile, incluindo nas primárias que se realizaram em julho, deixando em aberto a corrida eleitoral.
Um dos países mais ricos da região, o Chile registou uma queda do PIB de 6% em 2020, por causa da covid, mas as previsões é para que cresça acima dos 11% já neste ano. Apesar da riqueza, o descontentamento com o modelo social, o aumento do custo de vida e as desigualdades levaram aos protestos de 2019, que culminaram na decisão de reescrever a Constituição. O país enfrenta ainda uma crise migratória, marcada por episódios de violência contra os migrantes ilegais (a maioria venezuelanos), tendo decretado o estado de emergência também pelo conflito com os mapuches. Problemas que o próximo presidente, que tomará posse a 11 de março, enfrentará.
Gabriel Boric: O candidato da coligação Aprovo Dignidade (esquerda) tem 35 anos e foi um dos líderes dos protestos estudantis de 2011, que chamaram a atenção para a desigualdade no ensino superior. Estudou Direito e foi presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile. É deputado desde 2013. Surge nas sondagens em segundo, com 24,2% das intenções de voto.
José Antonio Kast: O favorito nas sondagens, com 27,2%, é o fundador do Partido Republicano. Casado e pai de nove filhos, tem 55 anos e defende a ditadura de Augusto Pinochet, sendo por vezes apelidado de "Bolsonaro chileno" numa referência ao presidente brasileiro. Rejeita ser de extrema-direita. Advogado, filho de imigrantes alemães que chegaram em 1951 ao Chile, militou durante 20 anos na União Democrática Independente. Foi deputado durante quatro mandatos. Nas presidenciais de 2017 foi quarto, com 7,9% de votos.
Yasna Provoste: A democrata-cristã (centro-esquerda) é única mulher na corrida e a única entre todos os candidatos com sangue indígena (Diaguita). Antiga professora de Educação Física de 51 anos, foi ministra do Planeamento de Ricardo Lagos e da Educação de Michele Bachellet. Eleita deputada em 2014 e senadora em 2018, foi presidente do Senado. Nas sondagens é quinta, com 9,2%.
Sebastián Sichel: É o candidato independente da coligação Chile Vamos (direita, no poder) e surge com 11,7% das intenções de voto. Tem 43 anos. Esteve à frente da agência estatal de turismo, ministro do Desenvolvimento Social de Sebastián Piñera e depois presidente do banco público.
Eduardo Artés: O líder do Partido Comunista Chileno (Ação Proletária), de 70 anos, teve 0,51% dos votos em 2017. Agora surge com 2,8%.
Marco Enríquez-Ominami: É do Partido Progressista, tem 48 anos e candidata-se pela quarta vez. Tem 6,2% nas sondagens.
Franco Parisi: O economista de 54 anos radicado nos EUA fez toda a campanha à distância. Líder do Partido da Gente (centro-direita populista), candidata-se pela segunda vez. Tem 11,4% nas sondagens.