Chefe de gabinete do ministro da Defesa sem autorização para mexer em documentos da NATO

O diplomata Paulo Lourenço, chefe de gabinete de João Gomes Cravinho e por onde passam documentos com diferentes graus de classificação, está há três meses em funções.
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O diplomata Paulo Lourenço é chefe de gabinete do ministro da Defesa há três meses e não está credenciado para poder manusear documentos classificados, o que é uma violação da lei, soube o DN.

Até meados desta semana, pelo menos, Paulo Lourenço nem sequer tinha pedido a credenciação necessária, adiantaram diferentes fontes ouvidas sob anonimato por não estarem autorizadas a falar sobre uma matéria sensível a nível nacional e, em especial, no plano externo.

O Ministério da Defesa escusou-se a falar do caso, argumentando que os processos de credenciação e as listas de pessoal credenciado "são classificados" - leia-se reservado, confidencial, secreto e muito secreto. No caso da NATO, este último nível designa-se COSMIC TOP SECRET e contém uma subcategoria para as matérias nucleares (ATOMAL, sigla em inglês).

O Gabinete Nacional de Segurança (GNS) não respondeu, apesar de ser a entidade responsável por "garantir a segurança da informação classificada no âmbito nacional e das organizações internacionais de que Portugal é parte". Cabe ainda a este organismo "exercer a função de autoridade de credenciação de pessoas e empresas para o acesso e manuseamento de informação classificada".

A generalidade das fontes militares qualificou o caso como particularmente grave, por ocorrer num dos ministérios que integram a chamada área de soberania e por envolver um diplomata que pertence a outro braço do Estado, que também está nessa área de soberania e cujo atual titular, Augusto Santos Silva, já foi ministro da Defesa.

Tendo em conta que pelo gabinete do ministro João Gomes Cravinho passam diariamente documentos com diferentes graus de classificação, associada ao grau de prejuízos - sérios, graves, excecionalmente graves - para o país, os aliados e as organizações externas envolvidas, uma das altas patentes qualificou o caso como "inaceitável e descredibilizante".

Menos crítico foi o embaixador António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-representante permanente de Portugal junto da NATO - a organização internacional provavelmente mais exigente com as questões do secretismo e das respetivas credenciações.

O facto de Paulo Lourenço ser diplomata, já ter trabalhado em gabinetes - como o da Defesa, no tempo do ministro Paulo Portas - e ter estado colocado em representações externas portuguesas já o fez estar credenciado e manusear documentos classificados, observou Martins da Cruz.

Daí, destacou Martins da Cruz, Paulo Lourenço estar sensibilizado para a importância da credenciação - cuja falta é admitida pelo antigo embaixador junto da NATO como tendo origem em atrasos burocráticos e administrativos. Este processo, que envolve o preenchimento de formulários e o subsequente processo de avaliação pelo GNS, demora cerca de dois meses.

Contudo, e porque o gabinete de João Gomes Cravinho não deixou de ter acesso à informação classificada, o embaixador frisou a necessidade de resolver rapidamente uma situação que, reconheceu, será mal vista por parte da NATO e dos países aliados.

Para o vice-almirante Cunha Lopes, na reserva e que prestou serviço na NATO, "é um princípio básico" que "quem manuseia matérias classificadas tem de estar devidamente credenciado", sejam civis ou militares. Agora, acrescentou, para haver consequências dependerá do que fizerem os responsáveis políticos e do GNS - sendo que um militar não escaparia a um processo disciplinar e à ignição do chamado "botão de destacamento rápido" (leia-se transferência para outras funções).

Outra alta patente questionou-se sobre que intervenção tem tido o GNS, dadas as suas obrigações nessa matéria e cujo diretor-geral - o contra-almirante Gameiro Marques - é a Autoridade Nacional de Segurança (ANS).

Ciberameaças e nova legislação

Este caso ocorre numa altura em que há uma crescente preocupação das autoridades portuguesas e internacionais com os riscos associados ao universo digital e às ciberameaças, seja no plano do terrorismo ou, entre outros exemplos, do acesso ilegítimo a redes informáticas e roubo de dados.

Daí que países como Portugal, a par da NATO e da UE, estejam a adaptar e atualizar os respetivos quadros legislativos sobre essa matéria. No caso português, a lei vigente determina que o primeiro-ministro e os ministros - da República ou das regiões autónomas - "ficam automaticamente credenciados para todas as classificações de segurança".

No entanto, o mesmo não acontece com os elementos dos respetivos gabinetes. Segundo a lei, "todo o pessoal em serviço na Administração Pública que, por força das funções inerentes ao seu cargo, tenha necessidade de conhecer e ou manusear matérias classificadas deverá ser objeto de um prévio inquérito de segurança".

O GNS tem disponível, na sua página digital, um "Manual de Boas Práticas" sobre a matéria, com indicações "para a adequação das organizações" às regras europeias aprovadas em 2016, desde os "Deveres e Responsabilidades das Organizações" aos "Contributos para Políticas e Procedimentos" e à "Segurança Física".

De acordo com a informação disponibilizada online pelo GNS, cuja nova lei orgânica foi aprovada no final de 2017, a atualização legislativa em curso envolve a transposição da Diretiva europeia para a Segurança das Redes e dos Sistemas de Informação.

Tudo somado, concluiu uma das fontes, há três razões pelas quais "é grave" o caso de Paulo Lourenço: para além do incumprimento da lei, há a questão do exemplo dado por quem é chefe de gabinete num ministério das áreas de soberania e, ainda, pelos efeitos reputacionais negativos no plano externo.

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