Cessar fogo é vitória para Assad. Poucos acreditam na paz
O acordo para a cessação das hostilidades na guerra civil síria estava ontem a ser recebido com um misto de ceticismo e de expectativas positivas, tendo as Nações Unidas pedido que possa ser encaminhada de imediato ajuda humanitária para as localidades cercadas pelas diferentes forças em conflito.
Alcançado na noite de quinta para sexta-feira em Munique, à margem da 52.ª edição da Conferência de Segurança que decorre até amanhã nesta cidade alemã, o acordo prevê a cessação gradual dos combates, que devem terminar no espaço de uma semana, o acesso de ajuda humanitária às localidades cercadas pelas forças fiéis ao regime de Bashar al-Assad e da oposição, e ainda o compromisso das partes em iniciarem negociações para a solução política do conflito. Estes princípios não se aplicam aos islamitas do Estado Islâmico (EI) e da Frente Al-Nusra, nem para outros grupos considerados terroristas pelo Conselho de Segurança da ONU.
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Segundo números de várias ONG, cerca de 274 mil pessoas estão reféns em cercos pelas forças do regime, 200 mil pelo EI e cerca de 12 500 pela oposição. A guerra já causou 470 mil mortos, de acordo com números do Syrian Center for Policy Research divulgados quinta-feira.
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O acordo foi assinado no quadro do chamado grupo internacional de apoio à Síria, que reúne 17 países, entre os quais os Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita e Turquia, além da União Europeia, e recebido com uma mistura de ceticismo e comentários prudentes sobre o seu sucesso.
Ausentes de Munique, o regime de Assad não comentou o acordo, enquanto representantes da oposição manifestaram algum otimismo. Salim al-Muslat, porta-voz do comité da oposição para as negociações de Genebra, elogiou o acordo, mas sublinhou verificar-se a a sua concretização, antes de voltarem às reuniões na cidade suíça. A oposição retirou-se das negociações na passada semana em protesto pela ofensiva do regime sobre a cidade de Aleppo. Mas o enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, anunciou entretanto que estas seriam retomadas a 25 de fevereiro.
Para o secretário de Estado americano, John Kerry, "os resultados serão medidos pelo que se passar no terreno (...), não pelas palavras no papel". Opinião partilhada pela responsável da diplomacia da UE, Federica Mogherini, para quem o importante é o de saber se haverá condições "para o cessar fogo ser concretizado". Mais incisivo, o secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg, notou que "nem sempre um cessar fogo é respeitado".
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Para dois analistas do Institute for the Study of War (ISW), Kimberly e Fred Kagan, o acordo de Munique é "uma importante vitória para a Rússia e o regime sírio". A suspensão dos combates, segundo estes analistas, "permite a consolidação dos avanços e a preparação de novas ofensivas", enquanto, por outro lado, as "forças da oposição não podem fazer nada para travar os ganhos" do regime de Assad, obtidos graças à intervenção da força aérea russa e de combatentes iranianos e do Hezbollah libanês. Por outro lado, como a Rússia considera como islamitas todos os grupos da oposição no Norte da Síria, pelo que irá prosseguir os ataques aéreos, referem os analistas do ISW. Fonte diplomática europeia, citada pela Reuters, explicou que Moscovo recusou categoricamente suspender os bombardeamentos. Como notou outro diplomata, não se deve esquecer que a Rússia não é neutral no conflito, está "diretamente envolvida como beligerante" ao lado de Assad.
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Para o presidente do International Crisis Group, Jean-Marie Guéhenno, o resultado mais previsível é estar-se perante "uma pausa nos combates", o que serve os interesse de Assad, do que "um cessar fogo permanente".
Entrevista de Assad
Numa entrevista concedida à AFP na quinta-feira, poucas horas antes de se chegar a acordo em Munique, Bashar al-Assad evidenciou otimismo, mostrando-se convicto que o regime acabará por recuperar "todo o território" da Síria.
Sorridente e descontraído, como sempre sucede nas entrevistas, Assad acusou a "Turquia, a Jordânia e, por vezes, o Iraque" de apoiarem a oposição, e diretamente a Arábia Saudita de estar ao lado do EI. Reconheceu que "é difícil" saber quando haverá paz no país e admitiu "erros" do regime.