CEO da Vanguard: "Preço do imobiliário não é alto, os portugueses é que ganham mal"

José Cardoso Botelho, CEO da promotora imobiliária de luxo que detém a Comporta e vários edifícios superpremium em Lisboa, Oeiras e no Algarve, diz que os impostos sobre o imobiliário fazem 40% do preço das casas. Lamenta entraves a projetos para arrendamento à classe média, em que a Vanguard Properties gostava de apostar. E revela pacote de 500 milhões da promotora para investir até ao final deste ano.
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A Vanguard Properties é o maior investidor imobiliário privado de Portugal, com mais de mil milhões de euros aplicados em duas dezenas de projetos, maioritariamente de superluxo, concentrados em Lisboa, no Algarve e na Comporta. O CEO, José Cardoso Botelho, explica a aposta que o uniu a Claude Berda há cinco anos.

A Vanguard tem hoje um investimento em Portugal na ordem dos 1,247 mil milhões de euros. Porquê esta aposta no país?
Isto começou por mero acaso, em 2015, a família Berda veio à Comporta de férias e o filho Roland gostou muito. O pai, Claude, e os três filhos gerem grupo muito importante na Suíça e começaram a ver que havia aqui um movimento muito interessante, com cada vez mais estrangeiros, e pensaram que seria um bom local para o projeto que tinham de uma "segunda Suíça". Em setembro, ele veio a Lisboa e no caminho do aeroporto encontrou-se com um nosso amigo comum que me indicou, conhecemo-nos e uns dias depois falou-me para combinar um encontro com o pai, que aconteceu logo em outubro de 2015.

Já com a intenção de investir?
Não, nós nem nos conhecíamos, mas ele queria trocar impressões comigo. Estivemos juntos e demos uma volta por Lisboa e no caminho de regresso, no Miradouro da Graça, tirámos uma selfie e havia um prédio atrás com um cartaz a dizer vende-se. O Claude olhou para mim e perguntou o que era, se a localização era boa; eu confirmei. E ele já gostava tanto de Portugal e de como o tratavam aqui, que apertámos a mão e comprámos o terreno. E começou a aventura. Esse primeiro terreno foi comprado a 30 de março de 2016, e desde então embarcámos numa atividade quase frenética de aquisição de terrenos, depois da fase de projeto e agora na construção. E o objetivo é crescer. O Claude gosta mesmo muito do país e do acordo que fizemos nesse dia mantemos todos os aspetos estratégicos combinados ao jantar - e que levaram a este crescimento.

Há muitas oportunidades?
Sim, e cada vez mais há pessoas a falar de Portugal lá fora, é um mercado que vale a pena.

E porque optaram por concentrar a oferta em Lisboa, Oeiras, Algarve e Comporta?
Foi também fruto do acaso. Começámos em Lisboa porque era a capital, mas é uma cidade que atrai cada vez mais clientela internacional importante, além dos portugueses, que são muitos. Em Oeiras arrancámos com um projeto no Vale do Jamor que considerámos muito interessante, vindo de uma carteira de crédito malparado de um banco. A Comporta foi porque a Paula Amorim e o Miguel Guedes de Sousa estavam interessados no Dunas mas só queriam três lotes - e como somos vizinhos, perguntaram se nos queríamos juntar. Já tínhamos comprado a Muda, ali ao lado... e avançámos. No Algarve também comprámos alguns ativos de malparado e outros através de contactos que estabelecemos.

Sempre na lógica de comprar barato para rentabilizar?
O que nos levou a investir o mais rápido possível foi ver que havia imenso interesse e perceber que isso levaria a que os preços dos terrenos subissem, os dos edifícios para reabilitar também... Na Suíça, este grupo é enorme, gere 250 mil casas em arrendamentos de classe média além de outro tipo de investimentos. O que fizemos foi acelerar o processo de aquisição entre 2016 e 2018. Agora queremos comprar mais ativos para repor o stock, visto que as vendas correm tão bem.

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Há investimentos e projetos novos a caminho? Qual é o valor de investimento previsto para os próximos tempos?
O grupo Vanguard tem muita liquidez, nomeadamente na Suíça - e agora também aqui. Não temos um valor definido, vamos olhando oportunidades interessantes e avaliando. Mas neste momento estamos a olhar para um pacote de 500 milhões de euros.

A que prazo?
Queremos fechá-lo até ao fim deste ano. Não sei se conseguimos, mas não será por nós - pode é o vendedor não querer vender, ou não querer vender-nos a nós. Mas queremos é acelerar o processo. Temos muita confiança no mercado. E os portugueses também compram - e muito. Temos vários empreendimentos em que mais de metade, às vezes 70%, vão para portugueses. Depois, temos uma estrutura montada, são já 45 pessoas connosco só a gerir ativos imobiliários e a crescer.

Mas a aposta aqui é bem diferente da Suíça, onde investem sobretudo em construir para arrendar. Em Portugal visam um mercado muito específico, o superluxo (residencial e turístico). Há assim tantos investidores à procura de oportunidades aqui?
Logo em 2016, parecia que havia oportunidade para desenvolver esse projeto superpremium e foi uma aposta ganha, há muita gente à procura edifícios de exceção: o que passa pela localização, pela construção e pelos amenities... Em todos os empreendimentos que desenvolvemos temos este conceito de ter ginásio, piscina, serviços associados que as pessoas prezam. Mas têm de ter qualidade, se não as pessoas não usam - não se pode fazer um ginásio no -2. Este conceito foi oportuno e está a ter enorme sucesso e até já a ser replicado por concorrentes, o que é bom porque aumenta a qualidade do mercado. A razão para termos um posicionamento diferente do da Suíça é simples: lá havia muitos edifícios para vender alugados - e foi o que comprámos. Aqui isso não existe, há algumas seguradoras que têm prédios arrendados, mas poucas.

Mas gostava de apostar no arrendamento aqui?
Sim, porque temos muita experiência nessa área, somos os terceiros nessa área na Suíça com 50 mil residências, 98% de classe média. Desenvolvemos agora o maior projeto da história da Suíça, ao lado do aeroporto, em que um terço são rendas sociais (8 mil francos suíços, o que é baixíssimo para o salário local, equivale a 2 mil euros/m2).

Seria aqui renda de quanto?
Na Suíça, onde um empregado de mesa ganha quase 5 mil euros, são rendas médias de 2 ou 3 mil euros, aqui equivaleria a 300 ou 400.

Já abordou governo no sentido de investir em arrendamento?
Temos um primeiro projeto na Marechal Gomes da Costa para 100 habitações de classe média. Mas a Suíça é diferente. Em primeiro lugar, construir para arrendar à classe média significa ter financiamentos a longo prazo, e a banca portuguesa não tem capacidade para isso - dá crédito a quem compra casa a 40 anos mas não aos promotores. E não se pode fazer um edifício para arrendar a 20 anos sem isso. Na Suíça faz-se e com juros muito baixos, 0,5%/0,3%, e taxa fixa a 30 anos. Conseguir essa taxa aqui a esse prazo implica juros nos 13%, é muito caro. Outro tema é o licenciamento, o tempo que demora licenciar um projeto é crítico quando ele se destina à classe média - no superpremium, consegue-se incluir o custo do tempo.

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A pandemia afetou a procura?
Afetou inicialmente... como fazemos venda direta através de um sistema próprio, tivemos uma queda absoluta, entre 16 março e o fim do mês, em 2020. Foi zero, nenhum contacto. Foi assustador. Mas depois retomou e em julho já estávamos perto do normal. E os últimos cinco meses tem sido de recordes. Dezembro foi bom e agora acelerou e hoje vejo cada vez mais pessoas, mais estrangeiros a chegar, que dão importância a um tema que para nós é dado adquirido mas não o é para todos: a segurança. Se Portugal jogar bem as cartas, tem aqui um fator de diferenciação fantástico.

O perfil de cliente hoje é diferente do de fevereiro de 2020?
É. Começámos a ter clientes do México, dos EUA - eu nunca tinha feito contrato-promessa com um americano e já vamos no décimo! -, há canadianos e italianos a aparecer, e iranianos, turcos, muitos sul-africanos. E os brasileiros reforçaram.

E portugueses?
Mantiveram-se nos 50%, grosso modo. Só no Castilho 23 é que só tivemos um português.

E o tipo de compra mudou?
Há cada vez mais procura pelo campo, fora de grandes centros. Isso é interessante e há coisas curiosas: clientes do Reino Unido, que sempre se concentraram no Algarve, a encher a Comporta; americanos no Algarve; mexicanos em Lisboa, Comporta e Algarve... Há novas nacionalidades e estão a descobrir novos locais. É um melting pot muito interessante.

Comprar imóveis de carteiras de malparado pode ser uma tendência acelerada nos próximos tempos por causa da pandemia?
Não creio. A banca portuguesa, desde que aqui atuamos, é muito mais séria na análise das operações. O que estamos a ver no Parlamento, aquela história já não existe, não interessa se é o senhor A ou B. Os dossiers de crédito são estudados como deve ser, o plano de negócios, as avaliações externas são difíceis, olham para a empresa que fiscaliza, a que constrói, a capacidade das pessoas. Nada se compara com o que se passou, por isso não vejo malparado a aparecer aqui.

As alterações vieram para ficar?
Algumas sim. O teletrabalho tem sido descoberto por muitas empresas - nós desde o primeiro dia criámos infraestruturas para se poder trabalhar à distância, até porque muitos dos nossos gestores de projeto têm mesmo de trabalhar à distância. E eu próprio fiquei surpreendido por sermos capazes de manter a estrutura em teletrabalho, de um dia para o outro. E a eficiência manteve-se elevada. Portanto acredito que haverá situações mistas, três dias em casa... E isso trará uma alteração no paradigma dos escritórios, no retalho, haverá mais consumo pela net. Eu nunca tinha encomendado nada online e agora faço-o. Vemos que funciona, dá jeito e acho que essa tendência é para ficar.

Isso altera também o padrão do imobiliário, dos escritórios, dos restaurantes e lojas que nascem à volta deles...
Quando me estabeleci com o Claude dissemos: queremos uma empresa com visão de longo prazo, ou seja de gestão em Portugal, com portugueses, uma marca para ser conhecida do cliente final - portanto, licença de mediação e vender direto. E não investir em escritórios e lojas. Nenhum de nós é grande fã disso e vendo o que se passou acho que foi boa decisão. O que vemos hoje é mais procura de espaços abertos, varandas - nunca entendi por que é que Lisboa, com tanta luz e este clima, tem janelas pequenas. Hoje procura-se o oposto, melhores espaços comuns e espaços de teletrabalho nos concelhos. Por exemplo, no Infinity temos isso no edifício, ao lado da Infinity Tower. É importante, porque não é solução trabalhar sempre em casa. O terreno do Jamor tem um espaço em que as pessoas saem de casa, andam 5 minutos e têm um espaço profissional para trabalhar. É aquele conceito da cidade dos 15 minutos. É o caminho e vai reforçar-se. Na Muda, começámos por vender todas as quintas durante a pandemia, porque as pessoas procuram espaços maiores, estamos a uma hora de Lisboa, o que não é nada para um mexicano ou americano. E mais tivéssemos, mais vendíamos.

E consegue-se vender casas só digitalmente ou há um momento em que o cliente quer ver o que está a comprar?
Perfeitamente. Se vender em planta - é o que fazemos - só pode ver o terreno. Sabe onde é, vê pelo Google Earth e não precisa de mais. Depois decide com base na localização, projeto de arquitetura - através de imagens 3D de qualidade e fidedignas -, planta do espaço e acabamentos previstos para o edifício. No caso da Muda, por exemplo, vendemos a clientes de Los Angeles que compraram assim: viram no Google o terreno, viram as imagens 3D, vídeos e compraram totalmente à distância. Já não é assim para muita gente se for uma casa usada. São dois mercados totalmente diferentes.

Como responde a quem diz que este tipo de investimentos afastou os portugueses?
Infelizmente, não é o preço do imobiliário em Portugal que é caro - basta comparar com vizinhos -, são os portugueses que ganham mal. Nos últimos 20 anos, tivemos uma progressão nada famosa. E o nível de impostos sobre salários é elevadíssimo, comparando com a Suíça e até França, o que baixa o nosso poder de compra. Baixar o valor do imobiliário só pode fazer-se cortando no custo da construção, baixando o preço do trabalho. E a consequência direta é as pessoas saírem de Portugal e voltarem a ir para França, por exemplo, onde há imensos concursos. Se baixarmos dos 20/22 euros por hora atuais, eles vão embora e ficamos sem capacidade de produção. Por outro lado, os impostos sobre o imobiliário são altíssimos, temos qualquer coisa como 40% de impostos e taxas no preço de uma casa - é algo em que temos de trabalhar, nomeadamente no IVA. Em Espanha, na primeira habitação, o IVA é dedutível e não se paga IMT. Só nisto são menos 30%. Portanto pagamos muitos impostos, contribuímos muito para os orçamentos das cidades e se queremos ser mais competitivos temos de trabalhar isso. E depois há o prazo de aprovação de projeto, que torna as operações mais difíceis de prever e mais caras.

Rejeita então a associação?
Sim, esquecemos que os centros de Lisboa e Porto eram de fugir. Visitei 40% dos prédios das ruas do Ouro e da Prata e era assustador, era impensável viver-se naquelas condições. Tínhamos as cidades muito deterioradas e o investimento estrangeiro ajudou a que isso se alterasse. Temos agora 20% do parque reabilitado, ainda falta muito... Se olhar para os Census de 1980 e 2011, vê que 280 mil pessoas saíram do centro de Lisboa - não tem que ver com estrangeiros, foram trabalhar para onde tinham emprego (Oeiras, por exemplo) ou para onde havia casas com qualidade, nos arredores. Estou expectante com novo Census: acho que Lisboa terá ganho habitantes pela primeira vez.

Ainda nesta semana a OCDE revelou que as rendas em Lisboa foram das que mais subiram...
Há aí um conjunto de fatores e um importante é o receio do arrendamento. Na Suíça, se o inquilino não paga o contrato termina. Isto é crucial - se não acontecer, ninguém investe. Aqui há demasiada proteção - há exceções, mas no geral isto tem de funcionar ou perdemos com isto, perdem os jovens, não há casas no mercado. É impensável um fundo investir num build to rent se as regras não forem muito claras. Diria até que a instabilidade legislativa é dos nossos principais problemas. Os fundos abutres estão sempre à procura de oportunidades, mas nós precisamos é de fundos de investimento longo prazo, nomeadamente fundos de pensões. Para investir a 30 ou 40 anos tem de se ter a garantia de que as leis não mudam constantemente. E isso tem sido um problema nosso.

A par do luxo, a Vanguard Properties tem somado várias iniciativas solidárias - fez a capela na Muda, apoia a escola Programação 42, investe em equipamentos médicos... As causas sociais do grupo já ultrapassam um milhão de euros/ano.
O Claude gosta mesmo muito de Portugal, tenho grande orgulho que esteja cá. E todas as iniciativas que proponho ele aceita. A escola 42, que capacita jovens, muitos sem formação, para se tornarem programadores é extraordinária. Um dos melhores alunos era estofador e é hoje um programador de exceção, melhor do que engenheiros do Técnico. Há muita gente sem 12.o ano sequer que tem essas apetências e este projeto é extraordinário para Portugal. O Museu Judaico é outra obra extraordinária, é o primeiro projeto de Daniel Libeskind em Portugal...

Outra iniciativa social que têm é a Vanguard Stars, que apoia o desporto nacional, especialmente nas camadas jovens e menos abonadas, com torneios de ténis direcionados para quem não teria essas oportunidades...
Já me disseram que é parecido com o Sport Goofy da Disney, mas o que fazemos são torneio organizados quase como se os miúdos fossem profissionais, são tratados como estrelas, recebem prémios, equipamento da mítica Wilson, têm os badges de jogador, árbitros, enviamos a tempos coisas para casa deles, fazemos entrevistas... E anualmente fazemos um grande evento, um jantar em que convidamos os 36 melhores jogadores e a sua família e treinadores. São 300 convidados para jantar numa sala de hotel, fazemos uma gala como se fosse profissional, com música e tudo para os estimular. E trazemos profissionais para os inspirarem. É diferente de qualquer outra coisa feita aqui e tem tido imenso sucesso. Já fizemos torneios em Espanha e França - fomos os primeiros autorizados a levar miúdos aos courts de Roland Garros. E hoje fazemos parte desses calendários oficiais, com mais de mil miúdos a jogar. O nível médio do jogador só pode subir se ele jogar com outros, de outras cidades e países. E incutimos-lhes valores importantes para a vida: lealdade, ética, esforço, trabalho, concentração.

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É vosso o edifício que fez notícia nestes dias por causa da marquise de Cristiano Ronaldo. Como reagiu quando soube da existência daquela construção?
O Castilho 23 é um edifício de que gosto muito. Liderei essa negociação e tenho o maior dos apreços pessoais e profissionais por ele. É um atleta de exceção e comportou-se connosco de forma fantástica. O que aconteceu julgo ter sido um lapso da pessoa ligada à gestão do processo do lado do cliente - Ronaldo não tem culpa, porque desconhecia em absoluto o que se estava a passar.

Como assim? Não sabia?
É natural, ele raramente vem a Portugal, portanto delega numa equipa para conduzir os seus negócios - neste caso as obras. A pessoa terá tratado da execução da obra e, segundo sei, disse-lhe que estava tudo devidamente legalizado. Ele tem de acreditar, como eu acredito nos meus técnicos, não ponho em causa o que me dizem...

Isso é a questão legal. Será resolvido? Vai ser demolida?
Nós, enquanto promotor, vendemos e já entregámos os apartamentos - portanto não somos proprietários. Há uma empresa que gere o condomínio e tem de liderar esse processo. Nós podemos ajudar e tanto quanto vi a CML disse que teria de ser resolvido. Mas não tenho dúvidas nenhumas que Ronaldo foi exposto mas não é responsável. Quem devia ter gerido o processo é que não fez como devia.

E a questão estética?
Não quero entrar por aí... Gosto do prédio como ele estava.

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