Centralidade do centrão 

Publicado a
Atualizado a

António Costa Pinto explicou com notável clareza, em entrevista ontem publicada no DN, a centralidade do PS e do PSD neste meio século de democracia em Portugal. O chamado centrão, dominante em todas as eleições desde as Constituintes de 1975, nasceu de os fundadores de ambos os partidos terem uma dupla legitimidade: Mário Soares vinha da oposição declarada a Salazar e Caetano e tinha fundado no exílio o PS em 1973, e depois do 25 de Abril afirmou-se como uma barreira aos que ambicionavam substituir a derrubada ditadura de direita por uma de esquerda; já Sá Carneiro, que foi deputado da Ala Liberal que tentou mudar o regime por dentro e acabou frustrado com a Primavera Marcelista, nunca hesitou também na via democrática para o país saído da Revolução de 1974. A história deu mais protagonismo a Soares, que foi primeiro-ministro em duas ocasiões e também presidente da república, mas ficará sempre a dúvida do que teria sido a marca em Portugal de Sá Carneiro se não fosse a morte precoce quando tinha conseguido levar a direita finalmente ao poder por via do voto popular.

O espírito revolucionário marcou o nome dos partidos portugueses, até os que viríamos depressa a considerar de centro-direita e de direita. Como relembrou o politólogo Costa Pinto, numa conversa que também foi emitida pela TSF, até os democrata-cristãos de Freitas do Amaral se batizaram como Centro.

No caso do PSD, até hoje não falta militantes e até dirigentes que continuam a assumir a social-democracia, mesmo que o partido se sente no Parlamento Europeu no meio dos conservadores. Mas sim, o nosso centrão, e daí a sua centralidade no sistema político, partilha desde o início valores considerados próprios da social-democracia, o que significa hoje aceitar ainda um acentuado papel do Estado para defesa da igualdade mas aceitando um largo compromisso com a iniciativa privada em nome da liberdade. A nível externo, PS e PSD (e aqui acrescentemos o CDS) também sempre concordaram com a pertença à NATO e à UE.

Num momento de crise histórica dos partidos dominantes em vários países da Europa, exemplificado muito bem em França por um PS em agonia e uns neogaullistas ultrapassados nas urnas pela extrema-direita, o centrão português tem resistido de forma excecional, tendo obtido nas legislativas de 2022, somados PS e PSD, mais de 70% dos votos e mais de 80% dos deputados. Como sublinha Costa Pinto, é difícil que continue assim, basta ver o dinamismo de Chega e Iniciativa Liberal. O politólogo admite mesmo que o Chega possa subir até 15% ou mesmo 20% dos votos, o que significaria um terceiro partido com uma dimensão que só no seu momento mais alto, no início dos anos 1980, foi atingida pelo PCP.

Apesar de comunistas e bloquistas tentarem recuperar o eleitorado que perderam para o PS, sobretudo depois de terem dado apoio parlamentar a dois governos minoritários dos socialistas, o grande embate que se adivinha é na direita, com o PSD a ver o seu espaço político muito disputado pelos dois jovens partidos, muito diferentes entre si, sendo que o futuro do agora minúsculo CDS, várias vezes parceiro dos sociais-democratas, permanece uma incógnita.

Ou seja, nada indica que PS e PSD não continuem a ser os dois maiores partidos, mantendo a centralidade. Mas há dúvidas se se manterá o centrão no velho sentido português, com os tais níveis mínimos de consenso entre o PS e o PSD, e se a transformação que a experiência da geringonça parece não ter feito acontecer nos socialistas, acontecerá no PSD por efeito da competição à direita. Para se perceber como se chegou aqui e que evolução a nossa democracia (já mais longeva do que a ditadura) poderá ter, nada como ler O Essencial da Política Portuguesa, o livro que Costa Pinto coordenou juntamente com Pedro Magalhães e Jorge M. Fernandes.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt