Centeno avisa: Costa deve cortar 6000 milhões em medidas covid

"Na sequência da crise pandémica, Portugal adotou novas medidas orçamentais avaliadas em cerca de 3% do PIB". Mas medidas temporárias têm de ser retiradas.
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O pacote de medidas orçamentais públicas contra a crise pandémica no ano passado - medidas consideradas cíclicas e temporárias para responder a esta situação também ela desejavelmente temporária - foi avaliada pelo Banco de Portugal (BdP) em cerca de 3% do produto interno bruto (PIB), o que significa, assumindo a nova estimativa do INE para o PIB de 2020, que o pacote em causa ascende a 6000 milhões de euros, segundo cálculos do DN/Dinheiro Vivo (DV).

No entanto, ontem, Mário Centeno, governador do banco central, avisou o governo do primeiro-ministro António Costa que vai ter de retirar estes apoios conjunturais dirigidos aos efeitos destruidores da pandemia (os confinamentos decretados pelo governo que afetaram a circulação de pessoas e limitaram/encerraram os negócios de muitas empresas, a quase interrupção do turismo). "Não podemos querer manter no futuro medidas que foram criadas para serem temporárias", alertou ontem o ex-ministro das Finanças, na apresentação do novo boletim económico do BdP, que passa em revista o ano de 2020. "Não podemos tornar permanente aquilo que foi criado de forma temporária, para responder a uma crise temporária, e as medidas que foram tomadas no âmbito da crise só devem ser mantidas" se se justificar porque determinado setor ainda não está consolidado ou porque subsistem problemas de desigualdade social, por exemplo.

No entanto, fora estas dimensões, onde também cabem os problemas do setor bancário e de muitas empresas e famílias, agora a braços com o fim das moratórias, então as medidas postas no terreno ao longo do ano passado e já no arranque deste ano devem começar a ser retiradas.

Centeno recordou que o esforço orçamental português e europeu contra a covid-19 foi significativo, mas há um preço a pagar. O défice regressou em força e vai ter de descer (em 2023, as regras mais duras do Pacto de Estabilidade voltam a ser ativadas, em princípio) e o peso da dívida disparou para mais de 130% do PIB. O governador não tem dúvidas: "o endividamento deve ser levado muito a sério" daqui em diante.

Segundo disse ontem o banco central, "na sequência da crise pandémica, Portugal adotou novas medidas orçamentais avaliadas em cerca de 3% do PIB". "As medidas com impacto no rendimento disponível de outros setores institucionais ascendem a 1,9% do PIB, sendo de destacar o lay-off simplificado (1% do PIB, em conjunto com o apoio à retoma progressiva e o incentivo à normalização da atividade)." Além destas, há outras medidas "com impacto no saldo orçamental incluem o auxílio estatal à TAP (0,6% do PIB) e as despesas em saúde, nomeadamente com equipamentos de proteção individual para diversos serviços das administrações públicas (0,4% do PIB)", elenca a instituição liderada por Mário Centeno.

Para o BdP, estas são medidas cíclicas (não estruturais) relacionadas com a pandemia. Neste pacote, o Banco decidiu não incluir "os empréstimos concedidos com garantia pública, cujo peso no PIB aumentou de 0,4%, em 2019, para 3,5%".

Mas também aqui o Banco de Portugal deixa o aviso. "Estas garantias são responsabilidades contingentes, sem efeito imediato no saldo orçamental, embora constituam um risco orçamental na medida em que vierem a ser acionadas nos anos seguintes."
Finalmente, a função pública; a contratação de pessoal médico e hospitalar foi um imperativo por causa da pandemia, mas há gastos salariais que também são considerados cíclicos, temporários e que, com o tempo, pode justificar-se a sua eliminação. É o caso dos suplementos de risco por causa da covid e de algumas horas extraordinárias.

A instituição de Centeno repara que, em 2020, "o número de funcionários públicos cresceu 2,2% e o vencimento médio aumentou, com destaque para o reforço das horas extraordinárias e outros abonos no âmbito do combate à pandemia e o descongelamento gradual das carreiras, terminado em dezembro de 2019".

Este ano o "problema" das medidas temporárias por motivos de covid volta a colocar-se, mas com menor intensidade, segundo as previsões das Finanças, o que significa que o governo já está a tentar esvaziar o pacote covid. Esse pacote vale agora cerca de 60% do envelope entregue em 2020. Ainda assim, são quase 3700 milhões de euros em medidas a ser tomadas por causa da tragédia sanitária. Segundo o Conselho das Finanças Públicas (CFP), "cerca de 60% do impacto desfavorável agora previsto para [o défice] 2021 decorre de medidas adotadas no contexto da pandemia (-3697 milhões de euros ou -1,7% do PIB)".
Pelas contas do CFP, "as medidas relacionadas com a covid-19 terão um impacto desfavorável de cerca de 5,9 mil milhões de euros na despesa, parte do qual será coberto através de verbas provenientes do REACT-EU e do FSE [fundos europeus]".

luis.ribeiro@dinheirovivo.pt

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