Celeridade dos castigos ameaçada. Ter um Conselho de Disciplina profissional é solução
O chamado "Caso Paulinho" terá consequências ao nível do timing dos castigos e pode transformar-se numa enorme "confusão" semanal, segundo o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que assim deixa de poder garantir que os clubes entrem em campo a conhecer os castigos da ronda anterior.
O órgão disciplinar federativo, liderado por Cláudia Santos, lembrou, ontem, em comunicado, que sempre "assegurou que todos os clubes entrassem em campo conhecendo os castigos relativos aos jogos anteriores (realizando, para isso, várias reuniões por semana e publicando vários mapas semanais)". Algo que, a partir de agora, "não poderá garantir", em função do calendário apertado de competições e do entendimento sobre prazos de recurso em processos sumários "suscitado" pelo Sporting e "corroborado judicialmente", na semana passada, na sequência do caso Paulinho.
Tudo por causa do castigo aplicado ao avançado do Sporting, expulso na final da Taça da Liga, dia 28 de janeiro. Segundo o CD, Paulinho (e o Sporting) foi notificado do castigo de três jogos, no dia 30 de janeiro, pelas 09.37 e tinha até às 12.00 do dia seguinte (26 horas depois) para se defender, mas o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) considerou que foi pouco tempo e aceitou a providência cautelar que suspendeu o castigo e lhe permitiu jogar com o FC Porto, no passado domingo.
Agora, "apesar de considerar que não foi violado o direito de defesa e de audiência do jogador", o organismo disciplinar promete adotar o entendimento do TCAS sobre os prazos para apresentar recurso num processo sumário, avisando, no entanto, que "poderá impedir a decisão em tempo útil dos recursos interpostos das sanções aplicadas".
Ou seja, o CD teme que o caso leve a uma enorme confusão, face aos inúmeros processos disciplinares/castigos, e porque terá de ser aplicado a todos os agentes desportivos. Em julho de 2020, quando este CD iniciou o mandato, os agentes desportivos eram sancionados em processo sumário sem serem notificados dos relatórios dos jogos e sem direito de defesa, mas desde então "foi implementado o novo procedimento de sancionamento, que garante o acesso aos relatórios e a defesa daquilo que neles vem relatado".
Essa alteração, segundo o CD, ajudou a "conciliar o respeito pelo direito de defesa com a celeridade", de modo a que os castigos nas competições profissionais fossem conhecidos antes da jornada seguinte. O que aconteceu com "largas centenas de sancionamentos apesar do número crescente de jogos e da sua dispersão por vários dias da semana."
Para o advogado Pedro Macieirinha, há duas leituras a fazer do comunicado da FPF: "O CD faz um alerta velado aos clubes, que querem autorregulamentação e depois questionam a sua própria autorregulamentação. Apesar de ser uma questão mais política, não deixa de ser pertinente. E parece-me bem que o CD adote o entendimento do TCAS para ser justo com todos os clubes, porque um recurso custa dinheiro e há clubes que têm mais dinheiro que outros."
Ao DN, o especialista em Direito Desportivo confessou entender a "frustração" do CD, assim como percebe que o Sporting tenha aproveitado as "imprecisões no regulamento para usar um jogador".
Sem olhar às implicações ao nível desportivo, uma vez que a "incerteza fará parte" do trabalho do técnico, que pode até preparar um jogo com um jogador e a horas de entrar em campo saber que não o pude utilizar, "o que vai acontecer é que os castigos vão deixar de ter data para sair, um pouco como acontece nos processos comuns". E se, no caso do Sporting, a ideia foi ter Paulinho no jogo com o FC Porto, de hoje para amanhã, quando um castigo sair semanas depois de aplicado e isso aconteça antes de um dérbi ou de um clássico, voltará a ser notícia pela demora.
E com isso a suspeição à volta da justiça desportiva.
Na opinião de Pedro Macieirinha a solução seria "profissionalizar o Conselho de Disciplina", cujos membros são nomeados, permitindo que fosse liderado por um juiz de carreira: "Se profissionalizamos tudo no futebol, porque continuamos a ter uma justiça desportiva que funciona uma noite ou um dia por semana?"
Fonte da FPF adiantou ao DN que o CD para tomar decisões ao longo desta época deveria ter feito só 25 reuniões (com os correspondentes mapas de sumários) relativos a 19 jornadas da Liga Bwin e Sabseg, e mais 6 rondas da Taça da Liga. Mas na realidade foram realizadas 61 reuniões/mapas de sumários, ou seja, mais 36 reuniões (144%). Além dos conselheiros, o CD tem ainda uma estrutura jurídica de apoio.
Ainda segundo a mesma fonte, "o CD funciona todos os dias sem exceção, mas não consegue multiplicar os prazos que objetivamente tornem impossível o castigo antes do jogo seguinte".
Em 183 dias de calendário, do inicio da I Liga em agosto ao início de fevereiro (jornada 19), O CD, só na secção profissional, fez 61 mapas, o que dá uma média de um mapa a cada três dias, sendo quem um desse dias é para notificação e outro para defesa dos clubes.
Paulinho foi castigado com três jogos, na sequência da expulsão da final da Taça da Liga (frente ao FC Porto, no dia 28 de janeiro), um pelo cartão vermelho e dois pelas declarações contra a equipa da arbitragem liderada por João Pinheiro. Segundo o relatório do juiz, o avançado sportinguista "dirigiu-se ao quarto árbitro com o dedo em riste" e a gritar: "Corruptos, corruptos, vocês são uns corruptos."
E já depois de ter falhado o jogo com o Sp. Braga (vitória, por 5-0) e o Rio Ave (vitória, por 1-0) e ver rejeitado o recurso ao castigo, por parte do CD da Federação, o jogador recorreu ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAD). Paulinho nomeou um juiz e a Federação (que tutela o CD) outro, mas não houve consenso quanto ao terceiro elemento (quando acontece é o presidente do TAD a nomear).
Mas perante a impossibilidade do TAD formar um colégio arbitral - demora cerca de dez dias - em tempo útil para decidir sobre o recurso submetido foi acionado o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), com o juiz Pedro Marchão Marques a aceitar a providência cautelar, que suspendeu o castigo e permitiu a Paulinho ser opção para o clássico, do passado domingo, que os leões perderam em Alvalade diante do FC Porto (2-1).
isaura.almeida@dn.pt