Celebrar o Natal no cinema com João Bénard da Costa

<em>Do Céu Caiu Uma Estrela</em> é o clássico natalício que encontramos no primeiro volume de <em>Escritos sobre Cinema</em>, do ex-diretor da Cinemateca - a mais importante edição literária do ano, no que toca à sétima arte.
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São mais de mil e duzentas páginas e vai até à letra C, de Capra. Frank Capra. Um livro gordo que começa com o "Mr. Broadway" George Abbott, e termina com a ficção científica de Michael Crichton. Entre um e outro, percorre-se um manancial de textos organizados alfabeticamente, em função dos apelidos dos autores/realizadores, e que nesta lógica de dicionário é tudo menos uma prosa sisuda e técnica... Estes são os Escritos sobre Cinema, de João Bénard da Costa, aqui no volume inaugural do primeiro Tomo (vão ser dois). Um trabalho de grande fôlego que resultará na publicação integral da sua obra escrita no âmbito da Cinemateca. E neste volume encontramos, à página 862, o olhar do cinéfilo sobre o filme Do Céu Caiu Uma Estrela (1946), uma das suas predileções, hoje considerado um dos maiores clássicos de Natal e o título mais popular de Capra.

Bénard da Costa (1935-2009) era um confesso amante desta época do ano, como se lê noutro texto exterior à presente edição (consta do livro Os Filmes da Minha Vida - Os Meus Filmes da Vida): "sou daqueles que gosta do Natal, que gosta imenso do Natal. Natal com todos os efes e erres, com todas, todas as tradições. Desconfio até das pessoas - falo daquelas que não entraram para a vida pela porta de serviço - que não gostam do Natal." Quem escreve assim é alguém que, ao longo dos natais, se foi emocionando com O Feiticeiro de Oz, O Ladrão de Bagdad, a animação Dumbo e Os Sinos de Santa Maria, este com Big Crosby e Ingrid Bergman. E alguém que nunca conseguiu evitar as lágrimas perante a cena final de It"s a Wonderful Life (título original de Do Céu Caiu Uma Estrela), como diz, "paixão antiga desde que o vi no Politeama, tinha eu doze anos".

Este foi o filme que Frank Capra realizou depois da experiência pessoal no Departamento da Guerra, sendo a história - baseada num conto de Philip Van Doren Stern -, de certa forma, um reflexo das suas feridas e da nova esperança que queria transmitir às pessoas. Na parábola de um indivíduo desesperado, à beira do suicídio, que na véspera do Natal é visitado por um anjo que lhe mostra como seria a vida dos outros sem a sua existência, o cineasta viu a possibilidade de fazer um filme sobre a crença do homem em si próprio. E terminou a rodagem com o sentimento de quem tinha feito a melhor das obras cinematográficas.

Infelizmente, não foi recebido como tal, à época - apesar das nomeações para os Óscares. Do lado da crítica houve mesmo quem confundisse a beleza melancólica desta jornada moral com um melodrama piegas ou "cinema de pipocas". Mas o tempo fez justiça ao grande desejo de Capra, que era ser para sempre reconhecido pelo seu It"s a Wonderful Life, no semblante desse homem que "desejava nunca ter nascido": James Stewart na pele de George Bailey.

E retomamos as palavras garridas de Bénard da Costa, em Escritos sobre Cinema: "É por isso que a explosão final é tão forte. Porque tudo o que até aí fora um pouco de mágico (coisa de anjos e estrelas) se encarna naquela noite de Natal, em que a presença do Anjo é apenas a de uma discreta campainha, sob a força do plano de George com os filhos ao colo e os dólares que vêm de tudo e de todos."

Estes e muitos outros textos, vívidos e apaixonados, oferecem-se à leitura para lá da cinefilia, na mais rica publicação deste ano sobre cinema. E sobre a vida.

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